Como funcionam os remédios para a diabetes e perda de peso?

Até Julho deste ano, as vendas dos fármacos usados na diabetes tipo 2 com vantagem de reduzirem o peso já ultrapassaram o dobro do total de embalagens vendidas em todo o ano de 2019 em Portugal.

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Medicamentos têm efeito no peso porque actuam a nível do sistema nervoso central, reduzindo a fome e o apetite ADRIANO MIRANDA
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Os medicamentos usados na diabetes tipo 2 com vantagem de reduzirem o peso, cujas vendas dispararam ao longo dos últimos anos, pertencem à classe dos chamados agonistas dos receptores GLP-1 (glucagon tipo 1) — uma hormona fisiológica com múltiplas acções na regulação do apetite e da glicose, produzida no intestino após a ingestão de alimentos — e são “fármacos que actuam em múltiplas vertentes”, começa por explicar Paula Freitas, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e coordenadora de endocrinologia do Centro de Responsabilidade Integrada da Obesidade no Hospital São João.

Inicialmente, estes fármacos foram “propostos para o tratamento da diabetes porque vão actuar a nível do pâncreas, sobretudo nas células beta, e fazem com que haja um aumento da secreção”. “Primeiro, há um aumento da síntese da insulina e depois um aumento da libertação da insulina”, explica a especialista. Por outro lado, estes medicamentos “diminuem a apoptose das células beta”, o que significa que estas células “vão-se manter activas, proliferativas, durante mais tempo”.

Paula Freitas destaca que a diabetes mellitus se caracteriza, numa primeira fase, por uma “grande insulinorresistência”. “Há uma tentativa do pâncreas de produzir muita insulina para ultrapassar essa insulinorresistência e depois, ao longo dos anos, vai haver um declínio da massa e da função das células beta e a diabetes vai sendo progressivamente com hiperglicemia mais pronunciada”, nota.

Os medicamentos que estavam disponíveis anteriormente “faziam o pâncreas libertar a insulina sem fazer com que ele aumentasse a sua produção e, portanto, ao longo do prazo, acabava por existir uma deterioração, uma redução da massa e da função das células beta”. O que não acontece com os agonistas dos receptores GLP-1 — além disso, estes fármacos fazem “um bom controlo da diabetes sem darem hipoglicemias”.

Verificou-se também que, com estes medicamentos, os doentes não só tinham um bom controlo da diabetes como também perdiam peso. A isto juntou-se ainda uma redução da pressão arterial e uma diminuição do perfil lipídico destes doentes, ou seja, uma redução do colesterol e triglicerídeos.

“Abriu-se aqui a oportunidade de termos uma classe que não só trata a diabetes, como trata também as doenças associadas, nomeadamente a hipertensão e a dislipidemia, com benefício no peso”, resume Paula Freitas.

A endocrinologista sublinha ainda que estes medicamentos têm efeito no peso porque “actuam a nível do sistema nervoso central”, reduzindo a fome e o apetite e aumentando a saciedade. “As pessoas comem menos, estão mais saciadas e têm menos compulsão.”

Os agonistas dos receptores GLP-1 mostraram ter uma série de outras vantagens: “Têm o benefício em termos da coagulação e aumentam a diurese, aumentam a natriurese, e vão ter redução também dos processos inflamatórios — a obesidade e as doenças metabólicas estão muito associadas com a inflamação”, salienta Paula Freitas, destacando que estes fármacos revelaram conferir também protecção a nível cardíaco, renal e até hepático.

“Hoje, estamos a assistir a uma era em que temos fármacos que tratam não só os sintomas e as doenças, mas também fazem com que as pessoas vivam mais e com melhor qualidade de vida”, conclui Paula Freitas.

João Jácome de Castro, presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), sublinha as vantagens terapêuticas dos agonistas dos receptores GLP-1, que, além de ajudarem a controlar a diabetes, têm um “efeito significativo” no prognóstico da doença e no futuro dos doentes. O presidente da SPEDM lembra que os diabéticos “não morrem da diabetes em si”, mas sim das doenças associadas — daí a importância destes medicamentos na protecção do coração e dos rins.

Em relação à obesidade, João Jácome de Castro nota que “alguns dos remédios para a diabetes desta classe dos agonistas dos receptores GLP-1 foram estudados com doses específicas para fazer perder peso”, tendo-se observado uma elevada eficácia. “Neste momento, temos na área da obesidade algo que não tínhamos tido nunca até agora: remédios verdadeiramente eficazes, potentes, que fazem perder peso e que são seguros do ponto de vista cardiovascular.”

Já Paula Freitas admite que, “provavelmente, é preciso fazer mais estudos”. Quanto aos riscos dos agonistas dos receptores GLP-1, a evidência sugere que não se devem utilizar em doentes que tenham, por exemplo, uma forma rara de cancro da tiróide e é também necessário “ter alguma precaução e ver os riscos e os benefícios em pessoas que tenham tido pancreatites”. Em termos da cognição, houve um estudo que veio levantar a suspeita do aumento de risco de suicídio — mas, garante a especialista, “no mundo estes fármacos já foram utilizados por milhões de pessoas e não há essa evidência”.

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