Em Espanha, o chão seco bebeu toda a chuva de Setembro, que não chegou às albufeiras. O porta-voz da Greenpeace para os recursos hídricos em Espanha, Julio Barea, admitiu no passado dia 5 de Setembro que a precipitação deixada pela tempestade DANA só “muito ligeiramente poderá ter melhorado a situação da humidade do solo” no território do país vizinho. Desta forma, “dificilmente” as escorrências que venham a ser lançadas nas linhas de água vão encher as barragens. Em Portugal, também não será a pouca chuva de Setembro que vai resolver os problemas.
A comprovar esta informação está o facto das bacias de grandes rios ibéricos apresentarem baixos níveis de armazenamento, como o Douro, que no dia 4 de Setembro atingia 45,6%, o Tejo 47,4% e o Guadiana 24,2%. No seu conjunto, as bacias hidrográficas espanholas até registaram uma diminuição e concentravam, naquele dia, 37% do seu volume máximo.
A Agência Meteorológica Espanhola (AEMET), refere em comunicado que “choveu muito” na zona central de Navarra e nos Pirenéus Aragoneses durante a passada sexta-feira e sábado, e na zona central da península, durante todo o domingo e segunda-feira, de madrugada. “Na faixa de Toledo, Madrid, Segóvia e Valladolid houve acumulações de chuva que ultrapassaram os 180 litros por metro quadrado”, salienta a organização espanhola.
Coloca-se então a pergunta: onde foi parar tanta água? O Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico (MITECO) tem uma explicação: “As chuvas torrenciais acumuladas em decorrência da Depressão Isolada de Alto Nível (DANA) ainda não foram sentidas, pois ainda não foram captadas pelos reservatórios.” Os volumes de água resultantes da precipitação atmosférica, numa primeira fase, infiltram-se no solo e quando os lençóis freáticos já estão preenchidos é que se formam as escorrências que vão concentrar-se nas albufeiras, através das redes hidrográficas.
Em apenas quatro dias o temporal largou cinco vezes e meia mais chuva que o normal neste período do ano, acumulando um valor médio de precipitação de 28 litros por metro quadrado, quando o valor normal seria de cinco litros por metro quadrado, contabilizou a AEMET. E na bacia do Tejo a precipitação que ocorreu entre 29 de Agosto e 3 de Setembro terá chegado até 12 vezes acima do normal para aquele período.
Contudo, e apesar da intensa precipitação, é de prever que as expectativas geradas pelas violentas enxurradas de água que destruíram plantações, casas e vias de comunicação, não resultem num substancial aumento nos níveis de armazenamento das albufeiras espanholas. Durante demasiado tempo, Espanha foi afectada por intensos e prolongados períodos de seca severa e extrema que se traduziu numa enorme perda de humidade no solo.
Cenário ainda mais dramático e paradoxal aconteceu na Grécia e em menor escala na Bulgária e na Turquia. O ministro da Crise Climática e da Protecção Civil, Vasilis Kikilias, disse que no seu país aconteceu um fenómeno meteorológico “sem precedentes”. Em algumas regiões gregas, a tempestade Daniel deixou cerca mil litros por metro quadrado, quantidades de precipitação “exorbitantes” que ocorreram num período de tempo entre as 24 e as 48 horas em algumas áreas, assinalou o governante grego.
A acumulação de cinco vezes mais chuva do que a que caiu em Espanha, acabaria por causar vários mortos, centenas de pessoas retidas em telhados e terraços à espera de serem resgatadas, assim como a destruição de estradas, pontes e outras infra-estruturas. Milhares de pessoas ficaram sem água ou electricidade. Um quadro dantesco sem paralelo na história da Grécia.
E em Portugal?
O registo de ocorrências divulgado pelo Instituto Português do Mar e Atmosfera (IPMA) no documento técnico que elaborou para interpretar as consequências da precipitação atmosférica em Portugal continental entre 2 e 4 de Setembro de 2023 assinala: “devido à aproximação de uma depressão usualmente designada por gota fria, verificou-se a ocorrência de actividade eléctrica atmosférica considerável, associada aos aguaceiros por vezes fortes, persistentes e de granizo, com a ocorrência de rajadas de vento localmente intensas nos dias 2 e 3 de Setembro”.
As regiões Norte e Centro Interior foram as mais afectadas por esta situação meteorológica. Em relação à quantidade de precipitação em períodos curtos (10 minutos, 30 minutos, 1 hora e 3 horas), destacam-se as estações meteorológicas da região Norte e Centro Interior nas quais foram registados os valores mais elevados do território continental, observa o IPMA.
Francisco Pavão, presidente da Associação de Produtores em Protecção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro (APPITAD), adiantou ao PÚBLICO que “tirando a parte que deu prejuízo com maior gravidade em Mirandela, Valpaços e Macedo de Cavaleiros, não há outros casos a registar”.
A azeitona foi a cultura mais atingida e “caiu quase toda ao chão”. Também houve várias inundações nos concelhos de Macedo de Cavaleiros e Valpaços, no distrito de Vila Real. O presidente da APPITAD, explicou que o mau tempo destruiu olivais e vinhas em Trás-os-Montes, “com prejuízos de milhares de euros e perdas de produção que poderão chegar aos 100% nos concelhos de Mirandela, Valpaços e numa parte do concelho de Macedo de Cavaleiros".
Francisco Pavão sublinhou que o mau tempo dos últimos dias veio complicar as contas dos agricultores a braços com um ano agrícola que já era “bastante mau”, sobretudo na produção de azeitona, onde já era prevista “uma queda de produção significativa”. Com a queda de granizo que o temporal depositou nalgumas localidades do nordeste transmontano “a produção é agora, praticamente, de zero.
Os agricultores, não irão colher azeitona. “E ainda vamos ter de contar com as sequelas que vão ficar nas próprias árvores”, antecipa o presidente da APPITAD, convencido que “a chuva não veio resolver nada” no que diz respeito ao armazenamento de recursos hídricos, destacando que o “grande problema é que temos muito poucas estruturas para armazenar a água”.
Estamos nas mãos do Outono ou, melhor, do "Verono"
Também para Vítor Rodrigues dirigente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA) garantiu ao PÚBLICO que o mau tempo “apenas trouxe um excesso momentâneo de água nas bacias do Douro e do Tejo”. E dada a escassez extrema das bacias dos dois rios ibérico em território espanhol, “dificilmente irá melhorar o armazenamento que inevitavelmente ainda ocorrerá mas sem sobrecarga de afluentes ou situações de cheia que não são previsíveis” explica o dirigente da CNA.
A DANA passou ao lado. Traduziu-se no extenso manto branco de granizo deixado numa boa parte da serra da Estrela, fenómeno que veio confundir os mais incautos que chegaram a convencer-se que um forte nevão chegara à região no final de Agosto.
A precipitação que se registou na última semana “ainda não é nada” conclui Vítor Rodrigues, acrescentando que “tudo continua a depender do Outono que possamos vir a ter.” Ou, como os agricultores da região serrana, à força de tantas arrelias e contratempos que as alterações climáticas vieram a colocar no dia-a-dia das comunidades rurais do centro do país, criaram uma nova expressão de cariz popular: Verono. A junção das palavras Verão e Outono para identificar uma nova estação do ano em que a primeira se prolonga no período temporal da segunda, como a realidade o está a demonstrar.
Quando se chega ao Sul do país, a tempestade é apenas assunto para os média e cujas consequências não se estenderam à região ribatejana mais interessada em reclamar a sua barragem de Alqueva, para reter a água “que continua a ir para o mar”, critica Luís Seabra presidente da Associação dos Agricultores do Ribatejo (AAR).
E nem tenta disfarçar a ironia que coloca na resposta à questão colocada pelo PÚBLICO quando lhe é colocada a questão se o mau tempo teria contribuído para um aumento dos recursos hídricos. “Tivemos chuvas rápidas e, consequentemente, poucos litros de água. Foi só para tirar o pó. “A chuva que caiu se não tiver continuidade ficará com um fenómeno que passou sem deixar rasto” refere o presidente da AAR. Conduz, então, o diálogo para o projecto prometido, desde os anos 50 do século passado: a construção de uma barragem no rio Ocreza, o Alqueva do Ribatejo, mais uma vez anunciada pelo actual Governo.
“O ministro do Ambiente disse que a albufeira teria capacidade para armazenar entre 300 a 400 milhões de metros cúbicos, o que é um volume insuficiente para as necessidades do regadio na Lezíria do Tejo” salienta Luís Seabra, garantindo que o regadio é o futuro e a sul do Tejo. No Ribatejo e Alentejo “há condições para regar 750 mil hectares de sequeiro em regadio”. Aos cépticos sobre a viabilidade do projecto, convida-os a rumar ao sul para constarem como neste ano “foi visível onde acaba Alqueva e começa o deserto.”
Germano Carvalho, agricultor em Pias, no concelho de Serpa, em pleno coração do regadio de Alqueva, confirma a diferença: “As chuvadas dos últimos dias deixaram na terra (Pias) cerca de 13 milímetros de precipitação que só deu para abater o pó. Se não fosse Alqueva estávamos perdidos”.