África: em tempo de seca e fome, cimeira aposta em atrair investimento climático

A primeira Cimeira do Clima de África decorre até quarta-feira e quer “providenciar prosperidade e bem-estar” a um continente que “sofre desproporcionalmente” com as alterações climáticas.

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Activistas nas ruas de Nairobi, no Quénia, protestam por financiamento para combater as alterações climáticas Daniel Irungu/Lusa

O continente africano “sofre desproporcionadamente” dos efeitos das alterações climáticas, avança um comunicado da Organização Mundial de Meteorologia (OMM), resumindo o teor do relatório da OMM sobre o Estado do Clima em África em 2022, publicado esta segunda-feira, o mesmo dia em que arrancou a primeira Cimeira do Clima de África, em Nairobi, na capital do Quénia, que quer mudar o panorama da situação climática daquele continente.

Logo no primeiro dia da cimeira, uma iniciativa conjunta para aumentar 19 vezes até 2030 a produção de créditos de carbono em África obteve um compromisso de milhões de dólares. O maior investimento veio dos Emirados Árabes Unidos, que se comprometeram a comprar 450 milhões de créditos de carbono da Iniciativa de Mercados de Carbono Africanos, avança a Reuters.

A iniciativa foi criada em 2022, durante a 27.ª Cimeira do Clima das Nações Unidas (COP27), em Sharm el-Sheikh, no Egipto, onde foi aprovado o importante acordo para um fundo de perdas e danos associados aos impactos da crise climática. Os organizadores da cimeira africana disseram ainda que o novo evento quer demonstrar ao mundo que a África é um bom destino para o investimento climático, em vez de ser apenas uma vítima de inundações, de seca e fome.

Providenciar prosperidade e bem-estar para a crescente população africana sem empurrar o mundo para um desastre climático ainda mais profundo não é uma proposta abstracta, ou apenas um pensamento positivo. É uma possibilidade real, provada pela ciência”, disse William Ruto, Presidente queniano, durante a cerimónia de abertura da cimeira, citado pela AFP.

África, sendo o continente com menor responsabilidade na quantidade de emissões de gases com efeito de estufa, que provocam o aquecimento global, é atingida por muitas crises climáticas. Só em 2022, houve 80 eventos ligados ao clima que causaram 5000 mortos, afectaram 110 milhões de pessoas e provocaram danos económicos na ordem dos 8000 milhões de euros, de acordo com o relatório da OMM. As cheias e as secas são as maiores responsáveis pelos impactos naquele continente.

“África é responsável por menos de 10% das emissões globais de gases com efeito de estufa. Mas é o continente que tem menos formas de enfrentar os impactos negativos das alterações climáticas”, disse Petteri Taalas, secretário-geral da OMM, em comunicado. “As ondas de calor, as chuvas fortes, as inundações, os ciclones tropicais, e as secas prolongadas estão a ter impactos devastadores nas comunidades e nas economias, com um cada vez maior número de pessoas em risco.”

Mais financiamento

É neste contexto que a cimeira está a decorrer, esperando-se para o último dia, na quarta-feira, a adopção da declaração de Nairobi, que juntará a posição das nações africanas. Um dos principais esforços é aumentar o financiamento global dos países africanos para estes poderem realizar a transição económica e poderem enfrentar os desafios climáticos presentes e futuros.

“O Presidente Ruto advoga impostos direccionados aos sectores como a aviação e o marítimo, a eliminação dos subsídios para os combustíveis fósseis em todo o mundo e a implementação de um imposto global sobre os combustíveis fósseis”, lê-se no site da cimeira, onde a ambição do responsável queniano está enquadrada nos grandes desafios que a África tem pela frente em relação às alterações climáticas.

“Estes impostos globais devem ser cobrados e agrupados num fundo global único, com a sua alocação baseada no cumprimento do maior impacto climático e no apoio à inovação tecnológica. Adicionalmente, um organismo de governação global, independente de interesses nacionais, deve supervisionar a distribuição justa dos fundos”, lê-se ainda no site.

O argumento do Presidente queniano é que a África está perante uma oportunidade. “Durante um período de tempo muito grande olhámos para isto como um problema. É tempo de virarmos e olhar para isto do outro lado”, disse Ruto, nesta segunda-feira. “Temos de olhar o crescimento verde não apenas como um imperativo climático mas também como uma fonte de oportunidades económicas de milhares de milhões de dólares que a África e o mundo estão preparados para capitalizar”, disse, citado pela Reuters.

Mas no meio das 30.000 pessoas registadas na cimeira – que conta com nomes como António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e John Kerry, enviado climático dos Estados Unidos –, há quem questione o ponto de vista do Presidente queniano. “Não houve qualquer sucesso de um país africano ter atraído financiamento climático”, disse Bogolo Kenewendo, uma conselheira climática das Nações Unidas e antiga ministra do comércio do Botswana.

Segundo a conselheira, muitos investidores avaliavam África como um continente demasiado arriscado para fazer investimentos. “Precisamos de uma revisão completa da infra-estrutura financeira global”, acrescentou, citada pela Reuters. Estima-se que África recebeu apenas 12% do financiamento para lidar com os impactos climáticos, de acordo com um relatório da Iniciativa de Políticas Climáticas.

Pressão na COP28

Ao mesmo tempo, as Nações Unidas apontam que os impactos das alterações climáticas irão produzir perdas que poderão se situar entre 270 mil milhões de euros e os 440 mil milhões de euros anuais em África, dependendo do aumento da temperatura média da Terra, de acordo com o comunicado da OMM.

Neste momento, apesar de a África ter 60% dos melhores recursos para a energia solar, o continente só tem uma capacidade instalada de produção deste tipo de energia renovável equivalente à Bélgica, adianta a AFP.

Entretanto, o Reino Unido disse que vai apoiar projectos em África que valem ao todo 57 milhões de euros, e que iriam ser anunciados ao longo da cimeira. Já a Alemanha avançou que ia fazer uma conversão da dívida com o Quénia de 60 milhões de euros, para que este libertasse aquele montante em projectos de energia renovável e de agricultura sustentável.

Apesar de todos estes acordos serem “muito bem-vindos”, disse à Reuters Kevin Kariuki, vice-presidente do Banco de Desenvolvimento Africano, os valores estão longe de preencher o buraco do financiamento climático existente. Segundo o responsável, durante a COP28, a ocorrer entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro, nos Emirados Árabes Unidos, as nações africanas irão pressionar para que o Fundo Monetário Internacional desbloqueie fundos climáticos no valor de 463 mil milhões de euros, e que estes possam ser multiplicados cinco vezes.

Enquanto a cimeira decorria, uma manifestação de cerca de 500 pessoas marchava na baixa de Nairobi em protesto com os objectivos da cimeira e a exigir compensações financeiras para os danos climáticos por parte dos países ricos, os maiores responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa.

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