Sob o signo da ausência!

A proposta de Estatuto que foi apresentada e que será, tudo indica, implementada em breve, configura o maior ataque de que há memória à Advocacia portuguesa desde o 25 de Abril de 1974.

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Sob o signo da (incompreensível) ausência da ministra da Justiça, realizou-se em Fátima, no fim-de-semana de 14 a 16 de Julho, o Congresso dos Advogados Portugueses, órgão estatutário da Ordem dos Advogados.

A reunião magna dos advogados portugueses foi participada e animada, tendo diversas conclusões relevantes sido aprovadas – outras, porém e não menos relevantes, caíram por terra, como é usual em democracia.

Sob a ameaça da aprovação, nas costas dos advogados, de um novo Estatuto lesivo dos Direitos, Liberdades e Garantias de todos os portugueses (e não só dos advogados, como erradamente tem sido referido), pode-se anunciar que, enfim, há uma ideia unânime no mundo da Advocacia portuguesa: dizer não ao Estatuto da Ordem dos Advogados!

Por ironia do destino, foi, já após o encerramento do Congresso, aprovado pela Assembleia da República, na generalidade, o referido diploma, passando agora a discussão à especialidade, o que requer uma especial atenção, considerando que ainda é tempo de diálogo.

A Advocacia tem vindo a perder influência social e política, afastando os advogados do centro do debate dos grandes temas da Justiça. Não podemos deixar de assinalar que a mobilização dos advogados, a exigência ética da profissão, as responsabilidades a que não podemos fugir na discussão desta questão devem ser globais e envolver a participação de todos, muito para além da estrutura da Ordem – sem prescindir do seu papel essencial na dinamização do debate.

A proposta de Estatuto que foi apresentada e que será, tudo indica, implementada em breve, configura o maior ataque de que há memória à Advocacia portuguesa desde o 25 de Abril de 1974.

Tal, como tem sido dito ao longo dos últimos tempos, não pode passar em claro, devendo ser denunciado por todos os meios.

Mas é também aqui que veremos a força social que temos: a única forma de revogar as medidas que destruirão a nossa profissão é encontrarmos plataformas de consenso dentro da Advocacia, para que depois possamos impor a nossa visão na sociedade civil.

É, assim, absolutamente essencial partirmos de um princípio sacrossanto do moderno Estado Democrático de Direito: o interesse de uma Advocacia livre, autónoma, independente e digna de todos os cidadãos, de todos sem excepção, para que possamos, os advogados, cumprir a obrigação de defesa, a bem da efectivação da Justiça.

No dia em que a Advocacia deixar de ser uma profissão desassombrada, plena de actos de coragem, enquanto manifestação em liberdade da defesa de terceiro, seja nas relações particulares, seja na relação com o poder público, o edifício o Estado de direito, assente na ideia, no princípio, de legitimação do exercício do poder, ruirá e um novo modelo, certamente não democrático, impor-se-á, sem que seja assegurado o direito à Justiça!

Quando o Estado de direito fica em causa, vence a tirania. Essa ideia, que está cada vez mais presente na cabeça de todos os advogados, deve ser discutida, deve ser debatida, deve ser colocada na ordem do dia, é certo, mas deve, sobretudo, ser objecto de uma intensa participação na construção final do Estatuto que sairá da comissão.

A ausência, repetimos, incompreensível da ministra da Justiça impediu, assim, que a principal responsável governativa da área ouvisse, num clima construtivo, dialogante, o que os advogados têm para dizer, em congresso. Perdeu-se, assim, uma oportunidade, mas não se perdeu a motivação, estou em crer: a questão é demasiado relevante para ser tratada sem consenso – e este, como sempre, nasce da dialéctica.

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