Golfinhos rosa e cinza de rios no Brasil estão ameaçados. A IA pode ajudar a salvá-los

Técnicas de inteligência artificial usadas num estudo publicado esta semana podem ajudar na conservação de duas espécies de golfinhos de águas fluviais ameaçadas.

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Boto-cor-de-rosa na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Marina Gaona/IDSM
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A missão foi esta: Florence Erbs, Michel André e mais alguns colegas foram em busca dos estalidos de golfinhos de rios no Brasil. Até aqui, nada parece extraordinário, visto que os golfinhos estão constantemente a produzir estalidos para se orientarem ou para encontrar presas. A inovação desta equipa de cientistas foi o uso de novas técnicas de inteligência artificial para ouvir os sons emitidos por golfinhos de águas fluviais que estão ameaçados. E conseguiram! Ao seguirem esses sons foram retirando informação relevante sobre esses animais, que pode vir a ser usada em estratégias para a sua conservação.

Estão os dois em perigo: tanto o boto-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) como o tucuxi (Sotalia fluviatilis) estão ameaçados pelas actividades humanas, como a pesca, a pressão da agricultura, a mineração e a construção de barragens. Para ter boas estratégias de conservação, é necessário conseguir seguir estas espécies com rigor. Mas essa não é uma tarefa fácil. Porquê? Entre Abril e Agosto, estes golfinhos rosa e cinza vão para as planícies aluviais em busca de alimento. A própria planície aluvial e a sua vegetação tornam muito complicada a tarefa de seguir esses animais com drones ou embarcações.

A equipa de Florence Erbs quis ultrapassar essa dificuldade com a ajuda de técnicas de inteligência artificial. Florence Erbs explica ao PÚBLICO que tudo o que queria era apanhar os estalidos que são usados na ecolocalização de golfinhos. Estes animais também fazem sons mais prolongados, para comunicarem entre si, mas estes não foram usados neste estudo.

Neste trabalho, entre Junho de 2019 e Setembro de 2020, foram usados cinco hidrofones em profundidades entre os três e os cinco metros para procurar os estalidos numa área de 800 quilómetros quadrados Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Brasil, mais concretamente num espaço em que os rios Solimões e o Japurá se encontram. Da parte da inteligência artificial, a equipa usou algoritmos de deep learning (aprendizagem profunda), que aplicou nos sons recolhidos.

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Golfinhos a explorarem uma planície aluvial Wezddy Del Toro/IDSM

Resultado: através desta conjugação entre os sons retirados manualmente e a inteligência artificial, conseguiu-se detectar com maior precisão e complexidade os estalidos dos golfinhos. Mais: foi possível seguir as suas movimentações numa área tão difícil como a das planícies aluviais.

“Nas planícies aluviais, os golfinhos estão amplamente dispersos em diferentes habitats, incluindo nos canais, em lagos internos e várzeas [na margem do rio], o que torna extremamente difícil de os acompanhar nos levantamentos tradicionais só com embarcações”, nota Michel André, cientista da Universidade Técnica da Catalunha, em Espanha.

E não termina por aí: este trabalho permitiu ainda avaliar quantas embarcações produzem ruídos, que se sobrepõem aos sons dos golfinhos. Este não é um pormenor, porque a poluição sonora das embarcações pode ter impacto nos cetáceos.

Desta forma, as técnicas de inteligência artificial usadas neste estudo podem ajudar na conservação de duas espécies de golfinhos ameaçadas. Florence Erbs complementa que estas técnicas permitem recolher informações ao longo de grandes períodos de tempo, bem como detectar os sons dos animais de forma mais detalhada nos seus diferentes habitats.

“As técnicas de inteligência artificial aplicadas à análise de dados acústicos melhoram muito a nossa capacidade para extrair informação relevante, como a detecção de estalidos, e que não poderia ser processada manualmente”, nota a investigadora da Universidade Técnica da Catalunha e primeira autora de um artigo publicado com o estudo na revista científica Scientific Reports. “Com os algoritmos de deep learning, somos capazes de processar muitos anos de dados só numa noite.”

Há todo um caminho agora pela frente para que este trabalho possa ser aproveitado. Primeiro, Michel André diz que estão a ser desenvolvidos aparelhos subaquáticos mais baratos para que todas as organizações e investigadores possam aproveitar as técnicas que desenvolveram. Depois, pretende-se integrar neste processo outras espécies. Para isso, está a trabalhar-se nos algoritmos de deep learning. Tudo isto para que, no fim, os golfinhos cor-de-rosa e cinza das águas fluviais (e outras espécies, claro) deixem de estar ameaçados.

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