Livro Vermelho: peixes de água doce e migradores de Portugal estão em perigo

A lampreia-do-sado e o ruivaco-do-oeste só existem em Portugal e estão “criticamente em perigo”, de acordo com o novo Livro Vermelho dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental.

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O ruivaco-do-oeste é um dos peixes "criticamente em perigo" Rui Gaudêncio
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Não são boas notícias: 60% dos peixes de água doce e migradores de Portugal continental estão numa situação preocupante – esta é uma das grandes conclusões do Livro Vermelho dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental, que foi apresentado esta quarta-feira na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

É de peixes nativos que se fala neste livro vermelho. O documento agora revelado revela uma avaliação ao risco de extinção de peixes que tiveram origem em Portugal continental ou que chegaram aqui de forma natural (e não introduzidas pelo ser humano). A análise foi realizada à escala regional com base no sistema da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Concluiu-se que 60% dos peixes de água doce e migradores em Portugal continental estão ameaçados. Dentro desta ameaça, quase 14% foram classificadas “criticamente em perigo”, quase 35% “em perigo” e 11,6% “vulnerável”.

Vejamos agora as espécies que só existem em Portugal, ou seja, as endémicas no país. Das dez espécies endémicas de água doce analisadas, três estão “criticamente em perigo” e seis estão “em perigo”. “Se estas espécies se perderem, não existem noutro local”, nota Filomena Magalhães, coordenadora-geral do projecto e investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

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Ruivaco-do-oeste Maria Ana Aboim
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Lampreia-do-sado Catarina Mateus

Portanto, se essas espécies se extinguirem em Portugal, desaparecerão do mundo. Por exemplo, a lampreia-do-sado e o ruivaco-do-oeste são duas das espécies endémicas em Portugal que estão “criticamente em perigo”.

Consideremos agora as espécies endémicas de água doce de Portugal e Espanha – isto é, que só existem na Península Ibérica. Das 17 espécies analisadas, quatro foram classificadas com o estatuto de “em perigo” e três com o “vulnerável”.

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O salmão-do-atlântico é uma das espécies ameaçadas Pedro Raposo de Almeida

Quanto aos peixes diádromos (ou migradores) – ou seja, os que migram da água salgada para a doce, ou vice-versa –, foram analisadas 11 populações. Dentro dessas 11, três foram classificadas como “criticamente em perigo”, duas “em perigo” e duas como “vulnerável”. Uma das espécies de peixes migradores “criticamente em perigo” é o salmão-do-atlântico.

Filomena Magalhães diz ao PÚBLICO que são várias as ameaças aos peixes de água doce e diádromos: “Verificou-se que todos os peixes nativos são ou podem vir a ser afectados pela regularização dos cursos de água, captação de água, infra-estruturas hidráulicas transversais, poluição de origem doméstica e agro-florestal e também pelas alterações climáticas.”

Além disso, há ainda riscos associados à proliferação de espécies exóticas invasoras ou à pesca. Devido à ausência de informação adequada, também não foi possível determinar o risco de extinção de três espécies.

O que se pode fazer para minimizar a situação? Para reverter esta situação preocupante, Filomena Magalhães refere que é crucial fazer várias acções e em diferentes caminhos, tais como: desenvolver acções de restauro e gestão de habitats; fazer acções de comunicação e sensibilização ambiental; fazer com que seja desenvolvida e aplicada legislação; tentar controlar a introdução de espécies exóticas invasoras; melhorar a gestão das pescas e do comércio; ou fazer planos de acção, programas de conservação e repovoamentos.

A investigadora destaca ainda que é importante melhorar o conhecimento de aspectos ligados à distribuição, tamanho e tendências das populações, das pressões a que estão sujeitas e as ameaças que enfrentam, bem como do restauro ecológico. “É particularmente urgente adoptar programas de monitorização, a longo prazo, das espécies, para melhorar a avaliação do seu risco de extinção, bem como da qualidade dos habitats para proceder ao restauro e à gestão”, esclarece Filomena Magalhães.

Uma plataforma interactiva sobre peixes

Mas não sai deste projecto “apenas” o Livro Vermelho dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental. Ficará disponível em breve o Sistema Nacional de Informação sobre Peixes de Água Doce e Diádromos de Portugal Continental (SNIPAD). Este sistema é uma plataforma de Websig (sistema de informação geográfica online) interactiva que reúne informação histórica e actual sobre todas as espécies nativas e exóticas de peixes de água doce e migradores que habitam em Portugal continental.

Filomena Magalhães indica que este sistema tem uma funcionalidade de apoio à identificação de espécies. A cientista explica que a informação ficará disponível tanto para técnicos e investigadores como para entidades com responsabilidade na conservação da biodiversidade e na gestão de recursos, mas também para o público em geral.

Todo este projecto começou em 2018 e estiveram envolvidos 75 especialistas – incluindo o SNIPAD e o livro vermelho. Esta não é a primeira vez que se publica um livro vermelho com os peixes de água doce e migradores de Portugal. O primeiro foi lançado em 1991 e foi coordenado pelo Serviço Nacional de Parques Reservas e Conservação da Natureza.

Uma outra avaliação surgiu em 2005 e foi integrada no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, tendo a coordenação do Instituto da Conservação da Natureza. Essa avaliação foi feita com base no actual sistema de categorias e critérios da UICN.

O SNIPAD também tem “antepassados”, nomeadamente a Carta Piscícola Nacional, indica Filomena Magalhães. Embora mais simples, essa carta disponibilizada pela primeira vez em 2006 pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais já tinha elementos sobre as espécies.

O Livro Vermelho dos Peixes Dulciaquícolas e Diádromos de Portugal Continental estará em breve disponível para consulta dos interessados no site do projecto. Também haverá uma versão impressa. Quem usar o SNIPAD também poderá ter acesso às fichas de avaliação das espécies incluídas no livro vermelho.

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