O problema dos peixes exóticos e a tragédia do peixe-gato

Biólogo marinho envolvido em estudo sobre o impacto dos siluros no equilíbrio dos ecossistemas fluviais portugueses alerta: “A cada dois anos há uma espécie exótica a instalar-se nos nossos rios.”

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Pescador exibe um siluro apanhado no rio Pônsul, afluente do Tejo, no concelho de Castelo Branco Ana Brígida

Filipe Ribeiro é biólogo marinho, investigador do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, responsável pelo curso que o Museu Nacional da História Natural e da Ciência (em Lisboa) dedica aos peixes dos ecossistemas fluviais, co-autor do Guia dos Peixes de Água Doce e Migradores de Portugal Continental [ver caixa] e está neste momento a participar num estudo sobre o impacto do comportamento dos siluros no equilíbrio dos ecossistemas dos rios portugueses. É dele esta frase assustadora: “A cada dois anos há uma espécie exótica a instalar-se nos nossos rios e que, ainda por cima, vem sempre acompanhada por pequenos invertebrados e/ou parasitas.” Mais. “Existirão cerca de 200 espécies invasoras nos rios da Península Ibérica com importante impacto no ambiente, na economia e na saúde pública.”

Estas espécies chegam aos nossos rios por diferentes modos, sendo que o mais frequente é a introdução das espécies por parte dos pescadores desportivos, interessados nos peixes como triunfos lúdicos. Carpa, achigã e lúcio-perca são algumas dessas espécies predadoras e desequilibradoras dos ecossistemas, mas nenhuma terá tanto impacto negativo como o siluro – o famoso, feio e enorme peixe-gato europeu.

Além de ser um super-predador (suga todas as espécies que lhe aparecem pela frente) e de se organizar em cardumes para caçar, reproduz-se a uma velocidade impressionante. “Uma fêmea jovem pode fazer posturas de 80 mil ovos, enquanto uma adulta chega a pôr 500 mil ovos”, diz-nos Filipe Ribeiro.

O biólogo participa neste momento num trabalho de investigação, a pedido do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), para se perceber com maior rigor o impacto do siluro nas outras espécies com valor ambiental e económico (lampreia, sável, barbo, fataça, entre outros) e, em consequência, que estratégias podem ser adoptadas, mas entende que a luta contra este super-predador está, na bacia do Tejo, praticamente perdida, tal é a população de siluros já existente no rio. “Só o desenvolvimento de uma consciência ambiental por parte dos pescadores (desportivos e profissionais) poderá, ao longo do tempo, impedir comportamentos que ponham em causa os equilíbrios ambientais noutras bacias hidrográficas.”

Este é, de facto, um problema com grande complexidade. Entre os formandos que passaram pelo curso que coordena no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, está o chef Rodrigo Castelo, do restaurante Ó Balcão (Santarém), pioneiro na introdução de espécies fluviais na alta cozinha. Perguntámos ao biólogo se a promoção do consumo de espécies como o siluro, a grande escala, não seria uma forma de controlar as populações da espécie no Tejo, gerando em simultâneo riqueza entre pescadores, donos de restaurantes ou cadeias de distribuição. “Em tese, pode parecer uma boa ideia, mas imagine que esse seria um negócio interessante. Qual poderia ser o comportamento da comunidade piscatória em função da procura do peixe? Levar os siluros para outros rios nacionais e espalhar o problema?” Por enquanto, o siluro existe apenas na bacia hidrográfica do Tejo e nalguns segmentos do Douro. É, de facto, um problema melindroso.

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