Mais professores?

Não parece ser prioritário que um verdadeiro programa para mais professores seja uma aposta séria do Governo. Tudo aponta para um facilitismo desproporcionado no acesso à profissão docente.

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O Governo acaba de aprovar o programa “Mais Habitação”, como já tinha anunciado para 2024 o programa “Mais Médicos”. Não conheço nenhum programa igualmente urgente para “Mais Professores”. Seria desejável que tal programa existisse já, mas os sinais que nos vão sendo enviados apontam no sentido de a interrogação não ter qualquer possibilidade de resposta num futuro próximo.

Num ano lectivo em que se reformaram 3400 professores e adquiriram habilitação profissional menos de metade, não há sinais de retoma, a não ser uma maior procura dos cursos de mestrados em ensino. Esta retoma não é acompanhada, infelizmente, de um aumento significativo de vagas para estes mestrados, ficando dezenas de candidatos de fora, quando o país precisaria de todos. Não há reforço de financiamento para as instituições de Ensino Superior que formam professores, pois o (sub)financiamento actual destas instituições não é sequer suficiente para garantir as actuais despesas de funcionamento do ensino. Mais professores implicaria sempre, em qualquer sistema político normal, mais financiamento do sistema, o que não está sequer em discussão em Portugal. Fazer mais com menos é uma fórmula política socialista que condena ao infortúnio o sistema educativo português.

O Governo avançou com um projecto de lei para o mecanismo, que devia ser excepcional, de contratação por escola. O princípio geral está correcto, pois trata-se de uma solução de recurso que pode trazer mais docentes no imediato. Mas a proposta, tal como está apresentada, conduzirá a várias situações críticas:

  1. Nenhum dos três artigos do projecto-lei menciona a exigência de os contratados por esta via serem obrigados a completar a sua formação num prazo dado;
  2. Tal lei pode conduzir facilmente a uma perpetuação da situação contratual destes professores, tal como aconteceu no passado, quando muitos docentes com habilitação suficiente permaneciam no sistema durante tantos anos quantas as muitas oportunidades anuais de contratação precária. Não devíamos nunca consagrar de novo esta situação indesejável. A proposta do Governo não acautela esta possibilidade. Bastaria fixar um prazo máximo de cinco anos para que estes docentes pudessem adquirir a sua habilitação profissional, mas nada é dito sobre isto.
  3. Nenhum dos três artigos menciona os critérios de reconhecimento dos pré-requisitos (usamos esta terminologia no processo de admissão aos mestrados em ensino) que constam do mapa anexo. É uma situação de particular gravidade. Este reconhecimento de créditos obtidos é uma decisão científica complexa, que só professores muito experimentados e conhecedores de todo o sistema de Ensino Superior podem realizar. Acontece assim no reconhecimento de pré-requisitos no acesso a um mestrado em ensino. São os coordenadores destes cursos que procedem a esse reconhecimento. Não é nem pode ser uma decisão administrativa. É inaceitável transferir esta competência para as direcções das escolas no acto de decidir se um diplomado tem ou não o número mínimo de ECTS previsto no mapa anexo ao diploma. Um director de uma escola não pode conhecer o sistema de ECTS de todas as licenciaturas e nem sequer tem competência científica para distinguir as subáreas de formação de cada curso. Por exemplo, na minha área, 60 ECTS num curso de línguas não são 60 ECTS em línguas, mas devem incluir formação em linguística, literatura e cultura e só um especialista na área pode tomar decisões sobre os ECTS completados. É assim em todos os cursos.
  4. O nível de arbitrariedade destas decisões ao nível de escola vai ser de tal forma aberrante que chocará sempre com o nível de decisões para a mesma tipologia de formação de base que mais tarde irá ser seguido numa instituição de Ensino Superior quando o professor contratado quiser completar a sua formação.
  5. Preocupa-me ainda que esta redução prevista no mapa anexo do projecto de lei se transfira para o futuro diploma para a formação inicial que vai ser divulgado não sabemos quando. Se se confirmar o anúncio feito pelo ministro da Educação, que garantiu que isso irá acontecer, a qualidade da formação inicial de professores em Portugal ficará seriamente comprometida e as próximas gerações de professores terão graves lacunas de formação, sobretudo científica. Não será só uma redução significativa de créditos de formação de base à entrada para os mestrados em ensino. Devemos também contar com a redução obrigatória da área da docência no novo modelo já consensualizado, que irá reservar o 2.º ano desses mestrados para a prática profissional (vulgo estágio, remunerado). Esta mudança obrigará a uma alteração dos actuais planos de estudo, que serão obrigados a reduzir a formação da área da docência para poderem acomodar um 2.º ano (ou 60 ECTS) totalmente preenchido com a prática profissional.
  6. Tinha esperança de que o ano de indução que se prevê pudesse configurar um ano de complemento de formação científica na área da docência, para compensar todas estas perdas de formação de base e inicial. Mas também aqui, da proposta geral que é pública, é muito pouco o que se prevê para que esse objectivo seja alcançado.

Em suma, não parece ser prioritário que um verdadeiro programa para mais professores seja uma aposta séria do Governo. Tudo aponta para um facilitismo desproporcionado no acesso à carreira e à profissão docente. Assim, teremos não só falta de professores como arriscamos ainda que aqueles que se vão formar também não sejam professores na sua plenitude formativa tão cedo nas suas vidas.

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