Circulação no Atlântico pode entrar em colapso já em 2025 e afectar o clima na Terra

O principal sistema de circulação do oceano Atlântico pode atingir um ponto crítico em meados deste século, ou mesmo antes, estima estudo. O colapso terá consequências na regulação climática da Terra.

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A AMOC é um importante sistema de correntes oceânicas, sendo considerada uma peça-chave na regulação climática da Terra Henrik Egede-Lassen/DR
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O principal sistema de circulação do oceano Atlântico pode entrar em colapso já no meio deste século, ou mesmo já em 2025, no cenário mais pessimista e com menor grau de certeza, dadas as emissões ininterruptas de gases com efeito estufa. Um estudo científico, publicado nesta terça-feira na revista Nature Communications, estima que a chamada “circulação termosalina meridional do Atlântico” (AMOC, na sigla em inglês) pode alcançar um ponto de não-retorno a qualquer momento a partir de 2025.

“As alterações climáticas causadas pelas emissões de gases com efeito estufa vão causar não só um desagradável aquecimento gradual, mas também podem levar a um ponto de não-retorno, capaz de desencadear mudanças dramáticas e inéditas nos últimos 12.000 anos”, afirma ao PÚBLICO o co-autor Peter Ditlevsen, professor do Instituto Niels Bohr, na Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.

A AMOC é um importante sistema de correntes oceânicas, sendo considerada uma peça-chave na regulação climática da Terra. Por isso, o colapso desse sistema traz por arrasto consequências profundas para o clima planetário, mas particularmente para a região do Atlântico Norte (e para a Europa, claro está).

“O nosso trabalho na área dos sistemas de aviso precoce consiste em recolher estatísticas, e estes dados chegam lentamente, mas a urgência é tanta que não devemos esperar muito. Os decisores políticos e outras partes interessadas devem perceber que este é um risco de mudança climática potencial e extremamente dispendiosa, o que implica uma acção imediata”, alerta o co-autor do artigo intitulado, numa tradução livre, Aviso de um colapso iminente da AMOC.

De forma muito simples, podemos dizer que a AMOC funciona como um gigantesco “tapete rolante”, capaz de impulsionar as águas através das diferenças de temperatura e densidade (teor de sal). A água quente dos trópicos que vai em direcção ao norte tende a arrefecer e a sofrer alguma evaporação (logo, fica mais densa). Uma vez mais fria e salgada, flui para zonas oceânicas mais profundas e a sul, até ser novamente “puxada” para a superfície, onde vai reaquecer.

Assim, conclui-se uma volta completa no “tapete rolante”, que, quando em equilíbrio, se mantém em contínuo movimento. Este sistema de circulação oceânica garante não só uma mistura regular das águas, mas também uma distribuição global de calor e energia.

Como estimar a data do colapso?

Para produzir estimativas mais fiáveis de um provável futuro colapso da AMOC, Peter Ditlevsen estudou (juntamente com a co-autora Susanne Ditlevsen) as temperaturas da superfície do mar no Atlântico Norte entre 1870-2020. O ideal seria examinar dados da circulação do Atlântico propriamente dita, mas esse sistema só começou a ser monitorizado a partir de 2004. E, para conseguir obter informação com significância estatística, os cientistas precisavam de uma longa série de dados.

Os dados da superfície marítima funcionam então como um proxy para a AMOC, abrindo caminho para uma melhor compreensão das tendências de temperatura neste sistema de circulação oceânica. Um dado proxy é aquele que se apresenta no lugar dos dados em que estamos realmente interessados, mas que por alguma razão não estão disponíveis.

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Para produzir estimativas mais fiáveis de um provável futuro colapso da AMOC, os cientistas estudaram as temperaturas da superfície do mar no Atlântico Norte entre 1870-2020. Henrik Egede-Lassen

Peter Ditlevsen faz a seguinte analogia: se quisermos investigar a mudança da altura média das pessoas em Lisboa, como resultado da melhoria das condições de saúde ao longo do tempo, teremos de medir muitos indivíduos.

“A questão é saber quantas pessoas precisamos medir para avaliar com confiança se a hipótese é plausível. Isto vai depender não só de quantos indivíduos medimos para estimar a média, mas também de quão diferentes estas pessoas são entre si. Imagine que fazemos três medições: 1,52, 1,61, 2,05 metros, por exemplo, ou então 1,71, 1,72, 1,69 metros. No primeiro caso, percebe-se logo que serão necessárias mais medições porque as pessoas variam entre si mais de 10 centímetros. A situação nas medições da AMOC é semelhante: temos de recuar a um período muito antes de 2004 para compreendermos qual era o nível ‘normal’ antes das mudanças na circulação no Atlântico”, diz o co-autor do estudo.

Se a circulação do Atlântico é um sistema de correntes tão importante, porque é que só estamos a monitorizá-la há menos de 20 anos? “A explicação para não haver dados da AMOC antes de 2004 é que esta monitorização é bastante complicada. Precisaríamos de um grande conjunto de bóias ou então de fazer como fazemos agora, medindo a tensão gerada nos cabos telefónicos que ligam a Europa e a América do Norte no fundo do oceano”, explica ao PÚBLICO o cientista da Universidade de Copenhaga. Medições da superfície oceânica por satélite também contribuíram para o conjunto de dados analisados.

Colapso possível entre 2025 e 2095

As conclusões dos cientistas já apontam para um colapso iminente, um aviso precoce que sugere que o sistema pode ser interrompido, ou entrar em colapso parcial, no período entre 2025 e 2095.

O planeta testemunhou este tipo de mudança súbita do clima durante o último período glacial, alteração que foi causada precisamente pela ruptura e subsequente restauração da AMOC. “Isto levou a flutuações médias de temperatura no hemisfério Norte de 10 a 15 graus Celsius numa década, muito maiores do que as mudanças actuais de 1,5 graus Celsius num século. A força da AMOC só foi monitorizada continuamente desde 2004 e essas observações mostraram que o sistema está a enfraquecer, mas séries de dados mais longas são necessárias para avaliar a magnitude”, refere a nota de imprensa do grupo Nature.

O enfraquecimento da AMOC tem merecido atenção da comunidade científica há vários anos. Um estudo publicado há dois anos, por exemplo, mostrava que a corrente do Golfo havia atingido o nível mais fraco dos últimos 1000 anos. Esta desaceleração pode amplificar, segundo especialistas, fenómenos climáticos extremos, provocando tempestades de Inverno mais intensas, ondas de calor mais intensas e chuvas de Verão mais escassas.

“A impressão digital da AMOC remonta a 1870. Melhorámos um pouco [esta assinatura]. A detecção de sistemas de aviso precoce para o colapso do AMOC foi relatada mais tarde. A novidade deste estudo é que podemos encaixar tudo de tal forma que conseguimos estimar o momento em que isso [o ponto de não-retorno] vai acontecer e adicionar [às estimativas] níveis de confiança”, explica o cientista ao PÚBLICO, numa resposta enviada por e-mail.

Avaliações anteriores do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) sugeriam, por exemplo, que um colapso total da AMOC seria improvável no século XXI. Agora, os modelos da dupla Ditlevsen indicam que este sistema de correntes oceânicas pode caminhar para um colapso parcial, ou mesmo para um ponto irreversível, já a partir de 2025.

Os autores não determinam no artigo o que motivou alterações no sistema AMOC, mas observam que as concentrações atmosféricas de CO2 aumentaram quase linearmente dentro do período de tempo estudado (1870-2020). Contudo, outros factores podem ter contribuído para estas mudanças.

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