“Muitos poderão morrer” por causa do fim do acordo de cereais, avisa ONU

As forças russas continuam a bombardear os portos ucranianos no mar Negro e fizeram exercícios contra navios na região. Antigo comandante das milícias do Donbass foi detido em Moscovo.

Foto
A Ucrânia é um dos maiores exportadores de cereais do mundo Reuters/STRINGER
Ouça este artigo
00:00
03:39

Ao fim de menos de uma semana após o fim do acordo de cereais do mar Negro, os preços dos bens alimentares já começam a sofrer um impacto e as Nações Unidas alertam para a possibilidade de aumento da fome nos países mais desfavorecidos. Os bombardeamentos russos contra as infra-estruturas portuárias ucranianas continuaram pelo quarto dia consecutivo.

Diversos dirigentes da ONU, que era uma das mediadoras do acordo de exportação de cereais que terminou no início da semana, têm alertado para as consequências da decisão de Moscovo. “Os preços mais elevados [dos cereais] serão sentidos de forma mais aguda pelas famílias dos países em desenvolvimento”, disse o responsável máximo pela ajuda humanitária da ONU, Martin Griffiths, durante uma reunião com o Conselho de Segurança. “Alguns irão passar fome, outros ficarão famintos, e muitos poderão morrer como resultado destas decisões”, afirmou.

Na mesma reunião, a directora de assuntos políticos da ONU, Rosemary DiCarlo, alertou para as ameaças que pairam sobre as embarcações civis que naveguem no mar Negro após o fim do acordo. “Qualquer risco de uma ampliação do conflito como resultado de um incidente militar no mar Negro, seja intencional ou acidental, deve ser evitado a todo o custo, uma vez que isso poderá resultar em consequências potencialmente catastróficas para todos nós”, declarou DiCarlo.

Os preços a que os futuros de trigo são negociados apresentavam esta sexta-feira uma subida de 6% na bolsa de Chicago, de acordo com os dados da Reuters, que destaca o aumento como o mais significativo desde o início da invasão russa da Ucrânia.

É em África que os efeitos do fim do acordo que durante quase um ano permitiu a exportação de 32 milhões de toneladas de cereais e outros produtos são receados. “Devemos esperar uma pressão inflacionária no preço dos cereais, especialmente nos países que estão dependentes das importações, onde esses cereais são sobretudo a alimentação básica para milhões de pessoas, empurrando mais pessoas para a vulnerabilidade e insegurança”, explicou à Al-Jazeera o analista Debisi Araba.

Neste momento, paira uma enorme incerteza sobre o futuro das exportações de cereais através do mar Negro. Os portos ucranianos que continuam em funcionamento têm sido visados por ataques russos há quatro noites consecutivas e as autoridades admitem que os danos podem prejudicar a capacidade de armazenamento e processamento dos cereais.

Além disso, Moscovo emitiu esta semana um aviso de que irá tratar das embarcações que tenham a Ucrânia como destino ou proveniência como potencialmente suspeitas de contrabandear armas ou munições. Para reforçar a ameaça, a frota russa no mar Negro organizou exercícios que simulam apreensões e ataques contra “alvos flutuantes” esta sexta-feira.

Em Moscovo, as autoridades detiveram esta sexta-feira Igor Guirkin, um antigo líder militar das milícias separatistas do Donbass e actualmente uma das principais figuras do sector ultranacionalista russo. O ex-agente dos serviços secretos russos foi acusado de incitação ao extremismo e vai ficar preso pelo menos até 18 de Setembro, segundo uma decisão judicial.

Desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia, Guirkin tornou-se num dos críticos mais ruidosos da chamada “operação militar especial”, chegando a criticar publicamente o Presidente russo, Vladimir Putin, e os seus comandantes militares.

No Twitter, a comentadora Tatiana Stanovaia disse que a detenção de Guirkin – que foi condenado por um tribunal holandês pelo derrube do avião da Malaysia Airlines, em 2014 – neste momento, ao fim de vários meses de críticas no espaço público, está ligada à tentativa falhada de rebelião pelo Grupo Wagner, no mês passado. “O comando do Exército passou a gozar de um maior peso político para esmagar os seus adversários na esfera pública”, escreveu a analista.

Sugerir correcção
Ler 23 comentários