É a democracia, ********!

Não deve o poder político nivelar por igual todos os Estados e colocar dentro da casa da democracia quem não bebe dos mesmos princípios da democracia liberal.

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Será novidade para muito poucos que nas últimas duas décadas o mundo tem assistido a uma degradação da evolução no sentido da democratização global, contrariando uma tendência contínua do avanço democrático a que se assistia desde os anos 80 do século XX. Não só têm diversas democracias regredido para regimes totalmente não-democráticos como se tem assistido ao advento duma nova entidade: a democracia iliberal.

Na obra publicada no final do ano passado, The Revenge of Power, Timothy Snyder define com clareza a mais recente ameaça às democracias liberais: o "modelo 3P" consubstanciando em três conceitos chave: polarização, populismo e pós-verdade. São diversos os exemplos de democracias estabelecidas que nas últimas décadas têm sido degradadas por movimentos políticos (maioritariamente centrados numa figura nuclear) 3P, como Itália, com Berlusconi e Salvini, Hungria com Órban, Polónia sob o domínio do PiS, a Turquia de Erdogän ou os EUA durante a governação de Donald Trump.

Também Portugal não passa incólume à vaga de populismo e polarização vivida nas democracias modernas desde a massificação das redes sociais, com o surgimento do partido de André Ventura ou a deriva crescentemente populista do Partido Socialista no poder – conivente com os atropelos democráticos na Hungria controlada pelo Fidesz e disponibilizando-se para o branqueamento da imagem de estados antidemocráticos e antiliberais como o regime cubano do presidente Díaz-Canel, e mimetizado por Pedro Sanchéz.

A indisponibilidade da Iniciativa Liberal para colaborar em ações de validação internacional de líderes autocráticos e de regimes autoritários ou crescentemente antiliberais, fazendo uso das instituições democráticas do Estado Português – em especial da Assembleia da República – através de sessões de beija-mão, tem sido aplaudida e criticada em igual medida. Os críticos acusam a IL de falta de maturidade e demonstração da incapacidade de ocupar futuramente um papel nuclear (ou até de liderança) na governação do país pela ausência de "realismo diplomático" na definição da sua política externa.

Fique claro, contudo, que a IL está preparada para assumir qualquer função que lhe seja confiada nas urnas pelos cidadãos e que, sabendo distinguir ação partidária de representação do Estado, compreende a necessidade da manutenção de relações diplomáticas e canais e comunicação com Estados terceiros, mesmo aqueles que abominam o nosso modo de vida. Não deve, contudo, o poder político, na prossecução destas necessárias ações, nivelar por igual todos os Estados, e fazer uso da Assembleia da República, colocando dentro da casa da democracia quem não bebe dos mesmos princípios da democracia liberal.

Porque a democracia não se esgota nas urnas, e muito menos se afirma em simulacros eletivos como os que ocorrem em Cuba e em tantos outros estados ditatoriais que procuram validação externa através da realização de eleições de fachada que não são senão meios de dissimulação.

A democracia não é apenas uma eleição. É uma eleição regular, previsível, livre, justa e participada com concorrência partidária. É o direito à greve, ao protesto, à liberdade de expressão. É a garantia da liberdade de imprensa, do direito ao escrutínio do poder político, de ser incómodo. É o respeito por minorias sociais em detrimento da ditadura da maioria. É uma sociedade civil forte, independente e vivida. É um edifício de princípios, valores, direitos, liberdades e garantias inegociáveis onde cabe uma miríade de visões diferentes, projetos distintos e políticas concorrentes.

A Iniciativa Liberal é e sempre será pela democracia, pelo Estado de direito, dentro e fora de portas. Para lembrar sempre que ao final do dia a mensagem final pode ser resumida numa adaptação da célebre expressão de James Carville: "É a democracia, ********!"

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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