Crise venezuelana ensombra diplomacia entre europeus e americanos

A poucos dias da cimeira entre a UE e a CELAC, o regime venezuelano retirou o convite para a participação da missão de observadores eleitorais europeus nas eleições de 2024.

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Posição de Nicolás Maduro fortaleceu-se nos últimos tempos Reuters/LEONARDO FERNANDEZ VILORIA
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A cimeira entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e das Caraíbas (CELAC) tem sido celebrada como um momento de reencontro entre os dois continentes, depois de quase uma década sem reuniões neste formato. A tónica do fórum que vai juntar dezenas de chefes de Estado e de Governo da Europa e da América do Sul, Central e Caraíbas tem estado nas oportunidades de negócio, mas diplomaticamente o momento é pouco harmonioso.

A cimeira celebrada em Bruxelas esta segunda e terça-feira ficou ensombrada com o sonoro fecho de portas por parte da Venezuela à missão de observadores eleitorais da UE destacados para supervisionarem as eleições do próximo ano. O anúncio foi feito na quinta-feira à noite pelo presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, um dos pesos pesados do chavismo, durante uma intervenção particularmente acalorada.

“Digo-te directamente, Josep Borrell, enquanto nós formos os representantes do Estado venezuelano, vocês não vêm. Até cá não virá nenhuma missão da Europa”, reiterou Rodríguez, dirigindo-se ao alto-representante da UE para a Política Externa. “Eles [a UE] não regressam [à Venezuela] porque são mal-educados, colonialistas, representantes da Europa imperial ultrapassada, assassina e esclavagista”, disse ainda o presidente do parlamento de Caracas.

A fúria do regime de Nicolás Maduro foi desencadeada pela aprovação, poucas horas antes, de um voto de condenação pelo Parlamento Europeu da suspensão da candidatura de María Corina Machado, uma das mais importantes figuras da oposição, às eleições presidenciais. A moção aprovada por uma expressiva maioria de eurodeputados considera a decisão das instâncias judiciais venezuelanas, controladas pelo Governo, “arbitrária e inconstitucional”.

Os eurodeputados instaram ainda o Conselho Europeu a incluir a situação política na Venezuela nas discussões durante a cimeira entre a UE e a CELAC, considerando que o fórum é “uma oportunidade para defender os princípios do Estado de direito, a democracia e os direitos humanos”.

Nos trabalhos preparatórios para a redacção do documento final da cimeira entre europeus e americanos não se exclui uma “referência suave” ao processo eleitoral venezuelano, mas qualquer menção terá de ser gerida com pinças e não é certo que venha a ser contemplada na versão definitiva.

Vão longe os tempos em que os vizinhos da Venezuela e a UE estavam alinhados na estratégia de isolamento do regime, que atingiu o culminar com o reconhecimento da presidência interina de Juan Guaidó, entre 2019 e 2021. A oposição a Maduro falhou em praticamente toda a linha, perdendo o apoio internacional que foi recolhendo e deixando-se corroer pelas suas próprias divisões internas.

Ao mesmo tempo, vários líderes sul-americanos que protagonizavam a linha mais dura foram saindo do poder, como aconteceu na Colômbia e no Brasil. Hoje, o Presidente colombiano, Gustavo Petro, não tem escondido o desejo de normalizar as relações com Caracas enquanto o chefe de Estado brasileiro, Lula da Silva, recebeu Maduro em Brasília e tem defendido o líder venezuelano daqueles que lhe chamam de ditador.

Serviços mínimos

A invasão russa da Ucrânia também será um tópico de difícil consenso entre europeus e americanos. Se na UE tem vigorado desde o início do conflito uma unidade em torno da condenação da Rússia como agressor e do apoio financeiro, político e militar à Ucrânia, entre os países da América Central e do Sul há uma maior relutância em escolher um lado, apesar de quase todos terem votado a favor das resoluções da Assembleia Geral da ONU que condenam a ofensiva.

As hesitações de Lula sobre o tema, tendo chegado a declarar que a Ucrânia tinha tantas responsabilidades como a Rússia pelo conflito, são paradigmáticas da dificuldade enfrentada por vários países da região em posicionar-se sobre o tema.

“Do ponto de vista da América Latina, [a invasão da Ucrânia] é uma guerra na Europa que pouco tem a ver com eles. Isso é difícil de entender de uma perspectiva europeia”, escreve o jornalista veterano Alexander Busch, no site da Deutsche Welle, a propósito da cimeira.

O mais provável é que a declaração final se baseie na linguagem que tem sido utilizada no âmbito das resoluções aprovadas nas Nações Unidas, com o consenso encontrado no que respeita à condenação da guerra e dos seus impactos no resto do mundo e na necessidade de defesa da soberania e da integridade territorial da Ucrânia.

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