A inteligência artificial e a pedagogia no ensino superior

Para mim, o grande desafio é pensar de que forma a inteligência artificial pode ser usada para personalizar a experiência de aprendizagem.

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O potencial da inteligência artificial pode revolucionar a forma como aprendemos e ensinamos. São enormes as novas oportunidades que se proporcionam para personalizar a educação e ajudar os estudantes a maximizar o seu potencial.

Ao longo dos anos, várias inovações tecnológicas tiveram um impacto significativo no ensino universitário, desde a máquina de calcular até ao computador e à Internet. Em todos estes casos houve receios e tentações de proibição. Não foi esse o caminho certo no passado e também não me parece que seja agora. A inteligência artificial (IA) representa uma evolução ainda mais significativa e promissora. Mais ainda, ela apresenta-se como uma ferramenta crucial para o mundo presente, profissional e académico. Privar os nossos estudantes desta experiência é limitar o seu potencial de aprendizagem e, consequentemente, de cidadania.

No entanto, atrevo-me a dizer que o grande desafio que nos é apresentado está na transformação da pedagogia universitária de forma mais global, e o potencial da inteligência artificial poderá ser um catalisador nesse sentido. De facto, a pedagogia universitária (e não só) vive ainda um processo de sobrevalorização de processos transmissivos centrados no docente e em aulas expositivas. São escassas outras abordagens pedagógicas centradas na emancipação do estudante, no trabalho de projeto e na resolução de problemas, na socialização e na descoberta.

As metodologias de aprendizagem ativa são fundamentais no ensino superior, pois promovem o envolvimento ativo dos estudantes no processo de aprendizagem, tornando-os protagonistas e responsáveis pela sua aprendizagem. Isso aumenta a motivação dos participantes, bem como a sua capacidade de reter e aplicar o conhecimento adquirido, produzindo aprendizagens mais profundas e duradouras.

As metodologias de aprendizagem ativa incentivam a colaboração e o trabalho em equipa, competências fundamentais para o sucesso tanto na vida profissional quanto na académica. Elas permitem que os estudantes desenvolvam competências de pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisão, que são fundamentais para enfrentar desafios complexos e incertos. Clarissa Dirks (microbióloga e co-chair da National Academies Scientific Teaching Alliance) considera até que as evidências sobre o impacto dos métodos de aprendizagem ativa são de tal ordem que não os utilizar pode até ser considerado pouco ético.

Assim, para mim, o grande desafio é pensar de que forma a inteligência artificial pode ser usada para personalizar a experiência de aprendizagem do estudante. Imaginem que cada estudante tem um assistente virtual pessoal, que usa a análise de dados para identificar áreas problemáticas e fornecer feedbacks precisos e direcionados. Esse assistente poderia sugerir materiais de estudo e exercícios específicos, ajudando-o a focar-se nas áreas que mais precisam de atenção melhorando seu desempenho académico.

Além disso, a IA pode ajudar os professores a compreender melhor as necessidades dos seus estudantes. Por exemplo, os dados recolhidos pelos assistentes virtuais podem ser usados para identificar as dificuldades mais comuns dos estudantes, e os professores podem usar essas informações para criar materiais de ensino mais direcionados, claros e eficazes.

Duas teorias da aprendizagem

Duas teorias de aprendizagem parecem-me particularmente relevantes neste contexto: a Rizomática e a Conectivista.

A Teoria da Aprendizagem Rizomática (Cormier, 2008) propõe uma mudança dos modelos tradicionais e hierárquicos de aquisição de conhecimentos para uma abordagem mais colaborativa e adaptativa. Esta teoria inspira-se no conceito de rizomas, plantas que crescem no subsolo, sem um sistema centralizado de raízes ou caules, e que têm uma rede descentralizada e interligada de raízes e nós que crescem e se adaptam de acordo com o seu ambiente.

Na aprendizagem rizomática, a ênfase é colocada na criação de um ambiente que os estudantes possam explorar ligando-se a múltiplas fontes de informação, e onde são encorajados a apropriar-se do seu percurso de aprendizagem diferenciando as suas trajetórias de acordo com as necessidades e interesses de cada um.

No caso da aprendizagem rizomática, a IA pode ajudar a criar uma rede de conhecimento que permita aos estudantes explorar e aprender de forma não-linear e autónoma, criando conexões entre diferentes áreas de conhecimento e expandindo as suas perspectivas. A IA pode ser usada para criar processos de busca inteligentes que possam recomendar materiais de aprendizagem relevantes e personalizados para cada estudante, bem como para gerar conteúdo educacional dinâmico e interativo que possa ser adaptado aos seus interesses e dificuldades. Por exemplo, um estudante pode perguntar ao ChatGPT “Como posso relacionar a minha área de interesse atual com outras matérias ou disciplinas?”.

Também o conectivismo (Siemens, 2005) realça a ideia de que a aprendizagem, para além de resultar do esforço individual, estrutura-se a partir de processos de ligação e envolvimento com diversas fontes de informação, pessoas e recursos, através da formação e do reforço de ligações entre várias fontes de conhecimento. Estas fontes podem incluir indivíduos, sítios Web, comunidades online, redes sociais e até fontes não humanas, como bases de dados e sistemas de informação. Esta teoria defende que a capacidade de navegar e estabelecer ligações significativas dentro destas redes é crucial para uma aprendizagem eficaz.

Numa era de abundância de informação, os estudantes devem desenvolver a capacidade de avaliar a credibilidade e a relevância da informação, bem como de adaptar os seus conhecimentos a novos contextos. Encara-se a aprendizagem como um processo distribuído, em que o conhecimento não está apenas armazenado em mentes individuais, mas está distribuído em redes. Os estudantes são encorajados a participar em atividades de colaboração, a envolver-se em debates e a partilhar as suas perspetivas para melhorar a sua compreensão.

Na aprendizagem conectivista, a inteligência artificial pode ser usada para ajudar os estudantes a construir e gerir a sua própria rede de aprendizagem, conectando-se com outras pessoas e recursos relevantes. A inteligência artificial pode ser usada para criar sistemas de recomendação de contactos e recursos que possam ajudar os estudantes a expandir a sua rede de aprendizagem e a encontrar novas fontes de informação. A inteligência artificial também pode ser usada para criar sistemas de gestão de informação que possam ajudar os estudantes a organizar e processar grandes quantidades de dados de forma eficiente. Por exemplo, um estudante pode pedir ao ChatGPT para “recomendar materiais de aprendizagem interativos ou simulações relacionadas com...”.

As teorias Rizomática e Conectivista são apenas dois exemplos de modos de aprendizagem e ensino muito distantes da abordagem tradicional expositiva ainda preponderante na maioria das salas de aula. Exigem outra forma de organização do processo de ensino. A necessidade do professor não está em causa, mas a IA pode libertar-nos para um outro tipo de trabalho, para um acompanhamento mais autónomo, individualizado e de encontro aos interesses e necessidades de cada estudante.

Os momentos expositivos continuam a ter o seu lugar, mas devem ser enquadrados numa perspetiva mais abrangente que promove o envolvimento dos estudantes e possibilita a diversificação de percursos. Para os estudantes a exigência é também particularmente elevada. É necessária uma postura ativa, comprometida, de responsabilização pelo percurso de aprendizagem de cada um. Mas o potencial é tremendo, a inteligência artificial pode ajudar a melhorar a eficácia do ensino e torná-lo mais acessível e inclusivo para todos. Poderá permitir a cada estudante trilhar um percurso mais individualizado e com um apoio e acompanhamento mais presente, rápido e personalizado.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Notas:
Cormier, D. (2008). Rhizomatic education: Community as curriculum. Innovate. 4 (5).
Siemens, G. (2005). Connectivism: A Learning Theory for the Digital Age. International Journal of Instructional Technology and Distance Learning. 2(1).

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