Exércitos são ponto cego na contagem global das emissões de CO2

Estima-se que as forças armadas emitam 5,5% dos gases com efeito de estufa a nível mundial. Grupos ambientais e académicos querem uma contabilização de emissões do sector abrangente e transparente.

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Um porta-aviões britânico Daniel Shepherd/Ministério da Defesa do Reino Unido/EPA

Quando se pensa em fazer um balanço sobre as emissões globais de gases com efeitos de estufa, dá-se de caras com um elefante no quarto: as forças armadas do mundo.

Ao mesmo tempo que as temperaturas atingem novos recordes, os grupos ambientais e os cientistas estão a pressionar cada vez mais as Nações Unidas para exigir às forças armadas que revelem todas as suas emissões, pondo fim a uma duradoura excepção que manteve até agora parte dados sobre poluição climática fora dos números oficiais.

Os militares estão entre os maiores consumidores de combustível, sendo responsáveis por 5,5% das emissões globais de gases com efeito de estufa, de acordo com as estimativas feitas em 2022 por especialistas internacionais.

Mas as forças de defesa não estão vinculadas a acordos climáticos internacionais para divulgarem as suas emissões de carbono, nem a terem de cortar essas emissões. E a informação que é publicada por algumas forças armadas não é de confiança ou está, na melhor das hipóteses, incompleta, dizem os cientistas e os académicos.

A presente situação acontece porque as forças militares que estão fora dos seus países de origem, desde aviões a jacto, passando por navios de guerra até treino de exercícios, ficaram de fora primeiro no Protocolo de Quioto para a redução de gases com efeito de estufa, em 1997, e depois continuaram a beneficiar de uma situação excepcional no Acordo de Paris, em 2015. O argumento para esta omissão é que a informação sobre o uso de energia usada pelas forças armadas poderia minar a segurança nacional dos países.

Agora, grupos ambientais como o Ponto de Não Retorno Norte e Sul e o Observatório do Conflito e do Ambiente, juntamente com académicos de universidades do Reino Unido como a de Lancaster, de Oxford e a Queen Mary estão entre aqueles que estão a pressionar para que haja uma divulgação mais abrangente e transparente das emissões das forças armadas. Para isso, têm publicado artigos de investigação, campanhas com a publicação de cartas e conferências.

Nos primeiros cinco meses de 2023, foram publicados pelo menos 17 artigos com revisão de pares, três vezes o número publicado em 2022 e mais do que os artigos publicados nos nove anos anteriores, de acordo com um activista que monitoriza este tipo de investigação.

Em Fevereiro, os grupos escreveram para a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, sigla em inglês) pedindo ao grupo climático das Nações Unidas (ONU) para incluir todas as emissões das forças armadas dado a sua importância na contagem abrangente das emissões globais de carbono.

“A nossa emergência climática não pode mais dar-se ao luxo de permitir a omissão costumeira das emissões produzidas pelas forças armadas e durante os conflitos no processo da UNFCCC”, escreveu o grupo.

A contabilização das emissões vai estar no centro dos holofotes no primeiro levantamento global – uma análise do quão atrasados os países estão em relação aos seus objectivos climáticos do Acordo de Paris – que vai ocorrer durante a 28ª Conferência das Partes - COP28, a cimeira do clima que se realiza nos Emirados Árabes Unidos a partir de 30 de Novembro.

“A omissão das emissões relacionadas com conflitos na contabilização feita pela UNFCCC é uma lacuna gritante”, disse Axel Michaelowa, uma parceira fundadora do Grupo de Perspectivas Climáticas, acrescentando que centenas de milhões de toneladas de carbono poderão não estar a ser tidas em conta.

“Recuperação e paz”

No entanto, por agora, há poucos sinais de que haverá qualquer resposta tangível às exigências destes grupos durante este ano.

A UNFCCC disse numa resposta enviada por correio electrónico que não existiam planos concretos para corrigir as orientações sobre a contagem das emissões das forças armadas, mas a questão poderia vir a ser discutida em cimeiras futuras, incluindo na COP28 no Dubai.

Questionada se as emissões das forças armadas iriam ser discutidas na cimeira da ONU, a presidência dos Emirados Árabes Unidos referiu que um dos dias temáticos da cimeira iria se debruçar sobre “alívio, recuperação e paz”, sem dar mais detalhes.

No entanto, há sinais de que algumas forças armadas estão a preparar mudanças acerca do que têm de notificar nos próximos anos, enquanto outras estão a dar passos para diminuir o seu impacto climático.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), uma aliança de segurança de 31 países ocidentais, disse à Reuters que criou uma metodologia para que os seus membros reportem as suas emissões militares.

Países como a Nova Zelândia estão a explorar se deverão adicionar áreas que estavam previamente excluídas, como as emissões de operações feitas no exterior, enquanto o Reino Unido e a Alemanha estão à procura de como lidar com áreas cinzentas daquilo que reportam, disseram responsáveis da defesa.

Já Washington enviou representantes do exército e da marinha dos Estados Unidos para a COP27, que ocorreu em 2022 no Egipto. Foi a primeira vez que uma delegação do Pentágono participou numa cimeira global do clima.

“O que acho que isso significa é que somos parte da conversa, no que toca aos combustíveis fósseis e à energia, somos inquestionavelmente emissores”, disse à Reuters Meredith Berger, secretária-assistente para a energia, os equipamentos e o ambiente da Marinha dos Estados Unidos, que fez parte da delegação do Pentágono.

Por outro lado, o uso e as emissões das forças armadas dos Estados Unidos estão a diminuir.

A Agência de Logística de Defesa dos Estados Unidos, que supervisiona a compra de petróleo, disse que foram comprados 84 milhões de barris de petróleo em 2022, quase menos 15 milhões de barris do que em 2018. Já as emissões de 2022 caíram para 48 milhões de toneladas, comparando com as emissões de 2021 que foram de 51 milhões de toneladas.

O Departamento de Defesa dos Estados Unidos afirmou que esses números incluíam todas as emissões, mas nos números comunicado à UNFCCC estavam omissos o combustível usado no transporte internacional e os combustíveis usados pelos barcos e navios.

Mais drones

As retiradas do exército norte-americano do Afeganistão e do Iraque, a adopção de tecnologias alimentadas por energias renováveis, os veículos energeticamente mais eficientes, assim como exercícios militares menores e menos frequentes têm contribuído para o declínio no uso de combustível, disse Neta Crawford, professora de relações internacionais da Universidade de Oxford.

O maior uso de drones também ajudou.

“Uma das tecnologias com maior redução de emissões são os veículos aéreos não tripulados – os drones”, disse um responsável da defesa dos EUA, que falou à Reuters sob a condição de anonimato. “Quando se retiram os humanos dos veículos aéreos, obtém-se uma melhoria dramática da performance energética.”

Os grupos que estão a fazer lobby às Nações Unidas para levantar a isenção das forças armadas defendem que o aumento das emissões associado ao conflito na Ucrânia é uma boa razão para uma mudança.

“A Ucrânia trouxe em absoluto o assunto para a ribalta de uma forma que os outros conflitos não o fizeram”, disse Deborah Burton, do grupo ambientalista Tipping Point North South.

A guerra na Ucrânia vai provocar na balança das emissões um aumento estimado de 120 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa durante os primeiros 12 meses, de acordo com o relatório feito por Lennard de Klerk, um especialista holandês em contabilização de carbono. Aquele valor é equivalente à soma das emissões anuais de Singapura, da Síria e da Suíça.

Os académicos da Universidade de Oxford e da Universidade Queen Mary estão a organizar uma conferência sobre emissões das forças armadas que vai decorrer em Oxford a 26 de Setembro. O objectivo do encontro é gerar novas investigações que possam ajudar a informar as mudanças nos requerimentos da informação divulgada.

O porta-voz do ministro do Ambiente da Ucrânia disse que apoia aqueles esforços e que durante a COP28 iria procurar o apoio de outros governos para uma divulgação mais transparente das emissões das forças armadas.

Viagem de borla

Enquanto a guerra na Ucrânia aumentou o foco entre os activistas climáticos sobre as emissões das forças armadas, alguns especialistas dizem que esse tema é uma distracção para os governos que estão focados na segurança regional, e isso poderia desacelerar as discussões a curto prazo.

“É importante compreender que a crise da Ucrânia tornou isto um pouco mais complicado”, disse James Appathurai, secretário-geral adjunto da NATO para os desafios de segurança emergentes.

Algumas forças armadas dizem que publicar os detalhes sobre o uso de petróleo iria abrir uma janela para as suas operações exteriores.

“Nós não quereríamos deixar que toda a gente soubesse a quantidade de combustível que usamos nestas missões – quanto é que voamos, quanto é que conduzimos, e quais são os padrões dos nossos exercícios”, disse Markus Ruelke, da unidade de protecção ambiental do Ministério da Defesa alemão.

Algumas emissões das forças armadas estão registadas sob combustão de combustível não especificado nas tabelas de relatórios das Nações Unidas, disse a UNFCCC.

Enquanto isso, as emissões globais das forças armadas vão continuar a ser mal conhecidas, disse Stuart Parkinson, director executivo do grupo Cientistas para a Responsabilidade Global.

“Está tudo certo quando se diz às pessoas para pararem de voar ou para mudarem para um carro eléctrico, mesmo que isso seja uma despesa ou uma inconveniência para as pessoas, mas é difícil fazê-lo quando as forças armadas recebem uma viagem de borla”, disse.

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