Lagarde une Presidente, Governo e oposição na defesa de que é preciso contrariar o BCE

Partidos defendem que o Governo deve responder ao aumento das taxas de juro e reduzir impostos ou colocar os bancos a pagar o agravamento dos juros.

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O primeiro-ministro no Conselho Europeu em Bruxelas EPA/OLIVIER MATTHYS

Christine Lagarde pode defender que se retirem apoios sociais e não se aumentem salários, mas em Portugal a resposta será outra. Esta foi a garantia dada pelo Governo, no rescaldo das declarações da presidente do Banco Central Europeu (BCE), que alimentou também pedidos de "cuidado" aos banqueiros centrais pelo Presidente da República e de acção ao executivo socialista por parte dos partidos da oposição.

No Fórum do BCE, em Sintra, a expectativa era saber se os banqueiros centrais iam manter a subida das taxas de juros. Christine Lagarde garantiu que, face ao “processo inflacionista mais persistente” causado pelo aumento dos salários, a trajectória será de aumento. Mas foi mais longe e apelou mesmo a que não só o aumento dos salários seja moderado, mas também que os governos europeus revertam as medidas de ajuda às famílias e empresas implementadas em resposta ao aumento da inflação.

As reacções por parte do chefe de Estado e do Governo não tardaram. Marcelo Rebelo de Sousa foi taxativo ao recomendar ao BCE “grande ponderação” no discurso sobre os juros, assim como "na previsão do futuro e no apontar pistas de futuro", e sustentou que o aumento dos juros “tem um efeito de perturbação nas pessoas, nas economias e nos mercados que não é bom para ninguém”.

Depois de o Governo ter defendido ao longo do último ano e meio, e já mesmo em 2023, que a subida salarial podia contribuir para uma espiral inflacionista, também o primeiro-ministro António Costa enfrentou Lagarde, deixando garantias de que tanto os apoios às famílias e às empresas como o aumento de salários são para continuar.

À margem do Conselho Europeu na quinta-feira, o primeiro-ministro contrariou Lagarde sustentando que “o aumento dos lucros extraordinários tem contribuído mais para a manutenção da inflação do que as subidas salariais” e que o facto de o BCE "não compreender" essa "natureza específica deste ciclo inflacionista" "limita muito a capacidade de o enfrentar”. "Se não acertamos bem no diagnóstico a terapia raramente acerta", alertou. Ao longo de boa parte de 2023, o próprio António Costa foi adiando respostas à subida de preços com base no argumento de que a inflação decorria da guerra na Ucrânia e, como tal, tinha um carácter conjuntural.

O chefe do Governo diz agora esperar que "possamos começar a retomar uma trajectória de política monetária mais adequada àquilo que é fundamental", isto é, "salvaguardar as condições de vida das famílias, a capacidade de as empresas investirem e de a economia continuar a crescer, e de gerar emprego que gere salários melhores".

Já esta sexta-feira, no final do Conselho Europeu realizado nos dois últimos dias, António Costa reiterou que não é pelos salários que a inflação se mantém acima da meta do BCE e mostrou satisfação com a queda da inflação, que recuou em termos homólogos 0,6 pontos percentuais, para 3,4% em Junho, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).

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A ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva, também contrariou o BCE no final do Conselho de Ministros desta quinta-feira, lembrando que no passado a austeridade foi um caminho errado e garantindo que, independentemente das sugestões de Lagarde, "cabe a este Governo tomar as medidas que considera necessárias". Medidas essas que, afiança, passam por "combater a inflação, combater o aumento dos preços da energia, proteger as famílias mais vulneráveis e ter também medidas direccionadas à classe média". Foi uma estratégia "adequada e certa" no passado e que é para "continuar" no futuro, disse.

Nas Finanças, a leitura é a de que a resposta ao aumento dos juros deve assentar na "protecção de rendimento" dos "mais vulneráveis". Na comissão de Orçamento e Finanças desta quarta-feira, também Fernando Medina demonstrou “apreensão” relativamente à “continuação da política de subida de taxas de juro de forma relativamente prolongada” que diz ter “riscos adversos” que “começam a crescer”, e assumiu que já ter transmitido a Lagarde essa preocupação.

Os governantes procuraram, assim, demarcar-se das posições do BCE e passar a ideia de que a política de apoios sociais e salários –indo mais ou menos longe – não é para travar apesar da inflação, a par do crescimento da economia, que se prevê situar-se em torno de 3% este ano. Aliás, no próximo Orçamento do Estado, o PS pretende apostar na valorização dos salários da função pública e na redução de impostos, sendo que já foi anunciado um aumento das pensões em 2024.

Partidos querem que Governo se oponha ao BCE

O consenso não se estende apenas a Belém e São Bento. Também os partidos da oposição repudiaram as declarações de Lagarde, tendo pedido ao Governo que aja internamente para contrariar a política do BCE através da redução de impostos, do aumento dos salários ou da cobrança do aumento das taxas de juros aos bancos. E também em Bruxelas, onde pedem que o Governo transmita a posição portuguesa sobre a política monetária europeia prosseguida a partir de Frankfurt.

O PSD distanciou-se das posições de Lagarde e defendeu que deve “haver uma valorização do nível salarial” e uma redução na cobrança de impostos, tendo exortado o Governo a defender a “necessidade de haver equilíbrio” no Conselho Europeu.

A IL considerou que apesar da “capacidade relativamente reduzida” de Portugal de “influenciar a política de taxas do BCE” devido ao “equilíbrio frágil” das contas portuguesas, o país pode responder ao aumento dos juros reduzindo a carga fiscal.

Ainda à direita, o Chega lamentou as declarações de Christine Lagarde, considerando que a resposta à inflação não pode ser “sufocar as famílias e as empresas” e questionou o ministro das Finanças sobre que mecanismos vai utilizar em Bruxelas, como “advertir formalmente o BCE, fazer algum pedido de esclarecimento formal ou uma proposta de alteração nas orientações”.

À esquerda, o PCP acusou a responsável da autoridade monetária europeia de “profundo desprezo pelas dificuldades das famílias” e de uma “opção política de ataque aos trabalhadores” e insistiu que o aumento das taxas de juro deve ser pago através dos lucros da banca e não das famílias, a quem, diz, se devem reduzir os impostos. No Parlamento Europeu, os eurodeputados comunistas estão a promover um abaixo-assinado contra a subida dos juros.

O BE, que havia instado o presidente da Assembleia da República a convidar a líder do BCE a falar sobre juros no Parlamento, criticou Lagarde por defender que o “destino” dos trabalhadores é “empobrecer” e desafiou também o Governo a “obrigar os bancos a suportar uma parte do custo do aumento das prestações ao crédito e a limitar as rendas”. E já esta sexta-feira, a líder do partido, Mariana Mortágua, acusou o primeiro-ministro de “hipocrisia” por criticar o BCE quando passou “o último ano a dizer que não se pode aumentar salários”, pedindo a Costa que seja “consequente” com as suas declarações

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