Clima: de boas intenções está o sector empresarial cheio, mas faltam planos credíveis

Relatório confirma que, apesar das boas intenções, apenas 5% das empresas europeias tem um plano de transição credível. Portugal segue ao mesmo ritmo da Europa. Mas isso chega?

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Para atingirmos os objectivos do Acordo de Paris, é preciso que as empresas comecem a pôr em prática os seus planos de transição climática Reuters/STEPHANE MAHE
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Mais de metade das grandes empresas europeias afirma ter objectivos alinhados com a meta de redução de emissões de gases com efeito de estufa, mas um olhar mais apurado mostra que apenas cerca de 5% têm um plano de transição verdadeiramente avançado - que é como quem diz, credível. São estes os resultados do relatório da CDP Europa 2022, que analisou os planos de transição climática de cerca de 1500 grandes empresas europeias.

Em Portugal, a amostra é mais pequena - apenas 18 grandes empresas reportaram à CDP -, mas a percentagem é mais robusta: cerca de 70% das empresas portuguesas afirmam ter estratégias de transição climática alinhadas com a meta de 1,5 graus Celsius de aquecimento global, segundo os objectivos definidos no Acordo de Paris. Contudo, apenas uma empresa (6%) apresentou um plano de transição considerado avançado de acordo com os critérios da CDP, organização sem fins lucrativos anteriormente chamada “Carbon Disclosure Project”, que tem ampliado o âmbito das suas análises aos compromissos empresariais para além das emissões de carbono.

Pepa Chiarri, directora executiva para a área de Clima e Sustentabilidade da consultora OliverWyman, que colaborou com a CDP na elaboração deste relatório, sublinhou que “os planos de transição das empresas são uma realidade relativamente nova”, em que as empresas têm muito caminho para trilhar. E há uma realidade mais ou menos transversal: falta à maioria dos planos de transição “elementos concretos para assegurar que os planos são alcançáveis e podem ser medidos”, descreve a analista Joana Freixa, da OliverWyman Portugal, numa conferência de imprensa sobre os dados das empresas portuguesas.

De uma maneira geral, o país está em linha com o que está a acontecer na Europa: “não há nenhuma dimensão onde Portugal está muito atrás ou muito à frente”, descreve a analista. Ou seja, a nós como ao resto do continente, falta assegurar que os planos têm objectivos específicos e “encaixar a estratégia de transição na estratégia de crescimento de negócio”, traduzindo os planos em linhas de acção concretas.

A consultora esclarece que os dados sobre Portugal se baseiam em empresas representativas do sector empresarial nacional, com um grupo composto por “grandes empresas em Portugal”, líderes nos respectivos sectores. Entre o top de empresas europeias apresentadas no relatório europeu surgem três portuguesas - a EDP, a NOS e a Navigator -, mas poucos pormenores são dados sobre os pontos em que estas mais se destacam.

Muita parra, pouca uva?

Uma das questões em que Portugal se destaca é na presença de especialistas em matéria de clima nos conselhos de administração das grandes empresas. Aliás, 72% das empresas inquiridas integram indicadores ambientais na remuneração de executivos séniores. É claro que este copo meio cheio também pode ser visto como meio vazio: se estes indicadores se referem a objectivos que, como diz o relatório, não são muito robustos ou credíveis, o que pode estar a acontecer é que estes prémios estão a ser atribuídos, em muitos casos, com base em promessas vazias.

De acordo com os dados da CDP, a esmagadora maioria (93%) das empresas portuguesas que responderam ao inquérito participam em iniciativas de redução de emissões, e há mesmo 80% que oferecem “produtos e serviços com baixas emissões de CO2”. Há, contudo, diferenças significativas entre sectores: a nível europeu, enquanto mais de 90% das empresas de electricidade oferecem “energia com baixas emissões de CO2”, apenas 40% dos produtores de alimentos, bebidas e tabaco o fazem.

Há também dificuldades em traduzir as promessas em acções concretas, com indicadores sobre os resultados: apenas 33% das empresas portuguesas (26% das europeias) são capazes de verdadeiramente avaliar o alinhamento dos seus gastos e receitas com os planos de descarbonização.

Um terço das empresas portuguesas (em linha com a média europeia) já definiu objectivos abaixo dos 2ºC para o chamado Scope 3 - ou seja, as emissões indirectas, relacionadas com a sua cadeia de valor ou com as emissões no consumo dos seus produtos -, mas ainda falta pô-los em prática.

A nível europeu, 73% das empresas afirmam colaborar de forma “holística” com a cadeia de valor, mas apenas 39% integram, de facto, cláusulas com compromissos climáticos nos contratos com fornecedores. Em Portugal, já bate mais a bota com a perdigota: apenas 57% das empresas afirmam colaborar com a sua cadeira de valor, mas são 50% as que traduzem esse compromisso nos contratos assinados.

Existem, como se viu, sectores mais avançados do que outros: as empresas de electricidade, por exemplo, têm um “grau de maturidade” nas medidas propostas superior a sectores como o petróleo e gás, alimentação ou metais e mineração. Isto deve-se, descreve o relatório, a uma maior centralidade da questão climática entre os desafios do sector, com mais apoio financeiro ao desenvolvimento e uma maior oferta de tecnologia testada e utilizada em escala, assim como ao empurrãozinho de políticas públicas, que têm ajudado a acelerar a adopção de energias renováveis e, no fundo, obrigado alguns sectores a conterem as suas emissões.

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O sector da electricidade é o que apresenta mais maturidade nos seus planos de transição OliverWyman / CDP

O motor do sector bancário

O relatório da CDP nota que um dos grandes motores da mudança pode ser o sector bancário - afinal, no caminho para a neutralidade carbónica, as empresas com excesso de emissões estão em risco de se tornarem obsoletas (pelo menos em teoria), pelo que os bancos podem e devem reflectir esse risco na negociação de financiamento.

A analista Joana Freixa descreve que, à medida que os indicadores para a transição climática se tornam obrigatórios para as empresas, os bancos terão um papel fulcral para “acompanhar empresas que têm progressos menos avançados no que toca à transição energética”, estando já a investir em “equipas de sustentabilidade”.

Muitos bancos têm assumido compromissos com a transição energética, incluindo a aliança internacional Net-Zero Banking Alliance, com o propósito de alinhar os seus portefólios de empréstimos e de investimento com o objectivo de neutralidade carbónica até 2050. A Caixa Geral de Depósitos é o único banco português inserido na aliança, mas não comunicou, até agora, os indicadores escolhidos para apoiar essa transição; há, contudo, uma série de bancos europeus que actuam em Portugal e que têm planos de transição, como o Santander, BBVA, BNP Paribas ou o grupo Caixabank.

Por fim, além das emissões de gases com efeito de estufa, há também outros critérios que se espera que entrem nas preocupações das empresas, como a protecção da água, das florestas e da natureza em geral. Em Portugal, entre as 18 empresas que reportaram à CDP, apenas cinco tinham planos dedicados a políticas florestais, e cinco tinham planos relacionados com a água.

No entanto, também aí é preciso olhar com atenção: entre as 311 empresas europeias que reportaram planos de segurança hídrica, apenas 21% tinham adoptado uma política de melhores práticas; entre as 182 empresas que assumiram compromissos de conservação florestal, apenas 29% tinham compromissos de desflorestação zero - uma percentagem europeia que, apesar de tudo, ainda está melhor do que a percentagem global (14%).

No fundo, explica a analista Joana Freixa, o factor-chave para a verdadeira transformação do sector empresarial rumo a um futuro de neutralidade carbónica é “assegurar que internamente existe uma cultura e uma visão comum” em prol do ambiente. É isso que é esperado, pelo menos, das empresas líderes de mercado. Resta saber se o compromisso actual será suficiente para cumprir o Acordo de Paris.

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