Há ainda 204 inimputáveis em ambiente prisional. Nova lei põe fim a medidas ilimitadas

Com a revisão da lei da saúde mental deixa de ser possível prolongar o internamento depois de cumprida a pena. Recluso inimputável termina greve de fome de 21 dias.

Foto
O Hospital Magalhães Lemos no Porto acolheu alguns inimputáveis que estavam antes a cumprir medidas na prisão de Santa Cruz do Bispo Paulo Pimenta
Ouça este artigo
--:--
--:--

A lei da da saúde mental, cuja revisão foi aprovada esta sexta-feira, passa a integrar o fim do prolongamento, sem limite, das medidas de internamento para condenados inimputáveis. Desaparece assim a possibilidade de se prolongar o internamento depois de cumprida a pena, quando até aqui as medidas podiam ser renovadas sempre que revistas de dois em dois anos, o que na prática resultava numa reclusão sem limite temporal atribuído.

Na expectativa de beneficiar desta alteração, que entrará em vigor 30 dias após promulgação pelo Presidente da República, estão algumas das 204 pessoas que estavam internadas em ambiente prisional a 1 de Maio deste ano, de acordo com os dados da Direcção-Geral da Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) e que já tenham cumprido a pena a que foram condenados.

Destes 204 reclusos inimputáveis internados em ambiente prisional, há 176 na clínica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, em Matosinhos, e 28 internados no Hospital Prisional de São João de Deus em Caxias. Outros 200 estão repartidos por estabelecimentos de saúde sob a tutela do Ministério da Saúde, como o Hospital Júlio de Matos (45), Clínica de São João de Deus no Funchal (6), Hospital Magalhães Lemos (39), Hospital Sobral Cid (108) e ainda um na Casa de Saúde do Telhal e um na Casa de Saúde de Idanha – Belas.

Obrigatoriamente libertados

A nova legislação, que deverá seguir para Belém na primeira quinzena de Junho, determina que, depois de cumprirem a pena por um crime que tenham cometido, os inimputáveis são obrigatoriamente libertados, não se podendo prorrogar a sua medida de internamento de segurança automaticamente. Para além disso, se alguém necessitar urgentemente de cuidados de saúde mental e recusar a recebê-los, pode ser alvo de internamento compulsivo (em ambiente hospitalar e não prisional).

Depois de, em Outubro, ter votado a favor da proposta do Governo na generalidade, o PSD mudou agora o seu voto para contra porque não concorda com a regra da libertação dos inimputáveis. A nova versão da lei foi aprovada com o voto a favor do PS e do PCP. O Chega votou contra e a Iniciativa Liberal, o Bloco, o PAN e o Livre abstiveram-se. O Bloco e o PSD levaram a plenário algumas propostas de alteração que tinham sido chumbadas na especialidade, mas o PS voltou a recusá-las.

"O internamento compulsivo vai acabar", congratulou-se a socialista Maria Antónia Almeida Santos. "As pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental não podem ser sujeitas a medidas restritivas de duração ilimitada ou indefinida", defendeu a deputada, argumentando que a nova regra cumpre convenções internacionais de direitos humanos. E lembrou que, "se for recusado o tratamento médico, pode haver sempre lugar ao tratamento involuntário".

Foi depois de, na passada quarta-feira, na última apreciação pela comissão parlamentar de Saúde, ter-se aberto a possibilidade de a lei vir mesmo a ser aprovada, que Ezequiel Costa Ribeiro, de 56 anos, decidiu suspender a greve de fome na quinta-feira.

O cidadão inimputável está preso há 37 anos e esteve em greve de fome 21 dias, disse ao PÚBLICO Manuel Almeida dos Santos, presidente da Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos (OVAR).

Uma semana depois de começar a greve de fome, no dia 10 de Maio, foi transferido da clínica psiquiátrica dentro do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo para o Hospital Prisional São João de Deus em Caxias para aí receber assistência.

A greve de fome foi iniciada "em protesto pelo elevado tempo de detenção sem vislumbrar alteração do fim da reclusão e pela medicação que lhe tem sido ministrada que lhe provoca grandes perturbações físicas e psíquicas", disse ainda Manuel dos Santos, que recebeu em 2018 com o Prémio dos Direitos Humanos da Assembleia da República.​

Na última semana de Abril, o advogado José Jorge tinha dado entrada de um terceiro requerimento para que Ezequiel Ribeiro fosse transferido para o Hospital Magalhães Lemos, no Porto.

A concretizar-se a transferência, o cidadão inimputável deixaria de estar num estabelecimento sob tutela dos serviços prisionais (Ministério da Justiça) e passaria a estar num sob a alçada do Ministério da Saúde. Aí os inimputáveis estão com enfermeiros e não com guardas prisionais, explica Manuel dos Santos.

No início de 2020, foram transferidos para esse hospital psiquiátrico no Porto 40 reclusos que estavam a cumprir medidas de internamento enquanto inimputáveis na clínica psiquiátrica do Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, numa altura em que eram 158 no total.

Actualmente já são mais: 176, sem contar com os que poderão ter sido daí transferidos para Caxias, como aconteceu com Ezequiel Ribeiro. com Maria Lopes

Sugerir correcção
Ler 4 comentários