Mais de 40 cientistas demitem-se de revistas científicas por preços “nada éticos”

Pagamentos para publicar artigos científicos são demasiado elevados, referem cientistas. Encargos de publicação para os cientistas têm sido alvo de debate ao longo da última década.

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Investigadores que preparam e escrevem os artigos científicos ainda pagam taxas para verem o seu trabalho publicado Nuno Ferreira Santos
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A direcção editorial das revistas científicas NeuroImage e NeuroImage: Reports, que pertencem à empresa Elsevier, anunciou a sua demissão no final de Abril devido aos preços excessivamente elevados nas taxas de publicação de artigos científicos. No total, são 42 investigadores que defendem que os valores praticados não são “nada éticos”. As taxas de publicação servem, geralmente, para garantir a cobertura dos custos de produção e em várias revistas permitem ter margem de lucro.

“Todos concordámos que os encargos de publicação dos artigos não são nada éticos e são insustentáveis”, diz à revista Nature Stephen Smith, neurocientista da Universidade de Oxford e um dos investigadores que se demitiram. Será o responsável pela equipa editorial de uma nova revista científica que estes 42 investigadores vão lançar, a Imaging Neuroscience.

A Elsevier é uma gigante neerlandesa que desde o final do século XIX se especializou na edição de trabalhos científicos. É uma das grandes empresas na área da publicação científica que detém as revistas com maior impacto científico e é também das que têm apresentado mais lucros ao longo das últimas décadas – no último ano, a Elsevier afirma ter tido um lucro de quase três mil milhões de dólares.

O debate em torno dos custos da publicação científica e da sua monopolização por uma mão-cheia de empresas é antigo. O negócio actual destas empresas utiliza a ciência escrita pelos investigadores, que é revista por outros investigadores também gratuitamente e depois agrupada na revista semanal ou mensal pela direcção da revista (muitas vezes, também sem qualquer pagamento por isso). Por outro lado, os cientistas que querem publicar em determinada revista têm de pagar taxas de publicação – mesmo que o artigo científico não venha a ser aprovado – e, caso queiram que o artigo fique disponível para todos, há custos acrescidos.

No caso da revista Neuroimage, uma das mais reconhecidas na área da imagiologia cerebral, os investigadores pagam mais de 3000 euros para ver um artigo científico ser publicado.

“Os cientistas não gostam da forma como as coisas estão, mas sentem-se impotentes para fazer com que as grandes editoras se tornem mais éticas”, acrescenta Stephen Smith, em declarações ao jornal britânico The Guardian.

“A Elsevier só quer saber de dinheiro e isto vai-lhes custar muito dinheiro. Tornaram-se muito gananciosos. A comunidade académica pode retirar o consentimento para ser explorada a qualquer momento. Esse momento é agora”, afirma Chris Chambers, investigador da Universidade de Cardiff e um dos 42 demissionários, ao jornal britânico The Guardian.

Ao jornal britânico, um porta-voz da Elsevier defende que a empresa está comprometida com mais investigação de acesso livre para toda a população e mostrou-se descontente com estas demissões. “Valorizamos muito os nossos editores e estamos desapontados, especialmente porque nos temos envolvido construtivamente nos últimos dois anos”, diz.

Os valores de pagamento para publicação, aos quais se juntam os de subscrição de revistas académicas pagas por universidades e centros de investigação, têm sido alvo de discussão ao longo da última década, a par da pressão para publicar devido às avaliações utilizadas nas carreiras científicas (em que, tipicamente, quanto mais publicar, melhores indicadores terá).

A União Europeia há vários meses que tem defendido que a investigação financiada por verbas públicas (sejam europeias ou nacionais) deve estar sempre disponível. Mais: o jornal Science Business nota que um primeiro rascunho de uma declaração do Conselho da União Europeia, a avançar nos próximos meses, defende a redução de publicações em revistas com fins lucrativos.

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