Confrontos no Sudão fizeram quase cem mortos entre os civis

Uma trégua temporária foi quebrada no domingo e os combates entre o Exército e grupos armados continuam na capital. Hospitais alertam para escassez de produtos essenciais.

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Imagens captadas por satélite mostram confrontos em Cartum EPA/MAXAR TECHNOLOGIES HANDOUT

Quase cem pessoas morreram desde que eclodiram os confrontos armados entre o Exército do Sudão e um grupo paramilitar, no sábado. Ao terceiro dia de combates, e ao mesmo tempo que o Exército do país rotulou o seu adversário como uma milícia rebelde, começam a surgir os primeiros esforços de mediação internacional.

Pelo menos 97 civis morreram e 365 ficaram feridos desde que os combates começaram, de acordo com o sindicato dos médicos do país. A este número junta-se uma quantidade elevada de baixas de militares em ambos os lados, mas não foi divulgada qualquer estimativa, diz a Reuters.

Nesta segunda-feira, a mesma agência avançou que quatro dos principais hospitais do país ficaram danificados e dois outros tiveram mesmo de ser encerrados, o que dificulta ainda mais o acesso dos feridos aos cuidados de saúde.

No domingo à tarde, os líderes dos dois grupos em confronto tinham chegado a acordo para uma pausa humanitária de três horas para que pudesse ser dada assistência a civis feridos, sob proposta das Nações Unidas. No entanto, as tréguas foram quebradas quase de imediato.

Na origem dos combates está uma crise política que opõe o chefe do Exército e presidente do governo de transição, o general Abdel Fattah al-Bourhan, e o líder do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla inglesa), o general Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemedti, que também pertence ao governo interino.

Os dois chefes militares estiveram unidos desde o golpe que levou ao derrube do ditador Omar al-Bashir, em 2019, que estava no poder há três décadas.

O desacordo que está a levar aos confrontos tem origem no processo de integração das RSF nas Forças Armadas regulares como parte da transição para um regime civil. Desde a queda de Bashir que o Sudão tem vivido em permanente estado de instabilidade. Em Outubro de 2021, Bourhan derrubou o governo de transição civil e assumiu o poder depois de meses de enorme tensão entre facções armadas.

A situação no terreno é pouco clara, com os dois lados a garantirem ter sob controlo locais críticos e não há sinais de que se esteja perto de qualquer resultado conclusivo.

Os combates têm ocorrido sobretudo na capital, Cartum, e na cidade gémea, Omdurman. O Exército disse no domingo ter conseguido recuperar o controlo do palácio presidencial que havia sido ocupado parcialmente pelas RSF. Partes do aeroporto permanecem sob controlo das forças paramilitares, mas o local está cercado pelo Exército.

Teme-se que a situação humanitária na capital sudanesa piore com o prolongamento da violência. Os hospitais estão a ficar sem acesso a produtos essenciais, segundo um alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS).

“Vários dos nove hospitais em Cartum que estão a receber civis feridos ficaram sem [reservas de] sangue, equipamento de transfusão, fluidos intravenosos e outros fornecimentos fundamentais”, disse a OMS.

Em grande parte dos bairros da cidade, os civis estão fechados em casa para se protegerem dos bombardeamentos e tiroteios, mas há receios de que comecem a escassear os bens de primeira necessidade. “Ficámos sem comida enquanto fazíamos o jejum do mês sagrado do Ramadão, e há também falta de fornecimento de água e electricidade”, disse à BBC o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Mariam al-Sadiq al-Mahdi.

Huda, habitante de Cartum, contou à BBC não ter dormido durante mais de 24 horas “por causa do barulho e de ter a casa a tremer”. “Estamos a ficar sem água e comida, e sem medicamentos para o meu pai”, acrescentou.

O Programa Alimentar Mundial da ONU decidiu suspender as suas actividades no Sudão depois de três funcionários terem morrido durante os combates em Cartum. As mortes foram condenadas pelo secretário-geral da ONU, António Guterres.

Os confrontos no Sudão têm sido alvo de condenação internacional e multiplicam-se os avisos para que se evite uma guerra civil.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, pediu um cessar-fogo imediato e a reabertura das conversações entre os vários sectores militares e civis. “Há uma profunda preocupação por causa dos combates, da violência que está a ocorrer no Sudão, pela ameaça que representa para civis, que representa para a nação sudanesa e, potencialmente, para a região”, afirmou, à margem de uma reunião do G7 no Japão.

“O povo no Sudão quer que os militares regressem aos quartéis, quer democracia, quer um governo de natureza civil. O Sudão precisa de regressar a esse caminho”, disse Blinken.

A Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (Igad), uma organização regional do Leste da África, está a planear enviar três chefes de Estado — do Quénia, Sudão do Sul e Djibouti — ao Sudão para tentar mediar um acordo de paz.

Outros países como o Egipto ou a Arábia Saudita também se mostraram disponíveis para participar num processo que ponha fim aos combates.

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