Alemanha diz adeus definitivo ao nuclear, quando esta energia retoma popularidade

Vão ser desligadas as últimas três centrais nucleares que ainda estavam em operação na Alemanha, cuja vida tinha sido prolongada por falta do gás natural russo. Governo diz que não há volta atrás.

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A central nuclear de Emsland, uma das que encerra agora Wolfgang Rattay/REUTERS

As últimas três centrais nucleares em funcionamento na Alemanha vão ser paradas neste sábado, 15 de Abril. É o fim da energia nuclear na Alemanha, que foi forçada no ano passado a abandonar a sua dependência do gás natural russo – que representava 55% do seu consumo antes da invasão da Ucrânia. É um momento visto como pouco menos que uma loucura pelos críticos, e como uma vitória pelos que defendem o abandono do nuclear.

Na verdade, o encerramento das centrais de Emsland (Baixa Saxónia), Neckarwestheim 2 (Baden-Württtemberg) e Isar 2 (Baviera) devia já ter acontecido no fim de 2022. Só houve este prolongamento até à Primavera devido ao receio de falta de gás para aquecimento e energia durante o Inverno, porque o gás russo deixou de chegar à Europa, e foi preciso arranjar muito rapidamente fornecedores alternativos.

O primeiro passo para o abandono progressivo do nuclear foi dado em 2000, por um Governo de coligação com tendência à esquerda, composto pel’Os Verdes e pelos sociais-democratas do SPD, mas a decisão final foi tomada por uma coligação governamental de centro-direita.

“Uma data final não foi definida na altura [2000], mas a saída definitiva foi decidida no Verão de 2011 pelo então Governo, formado pela CDU/CSU [de Angela Merkel] com o Partido Democrático Liberal (FDP) em resposta à catástrofe no reactor em Fukushima”, no Japão, salienta a associação ambientalista portuguesa Zero, que se congratula com o encerramento das três últimas centrais na Alemanha.

“Os investimentos recaem agora nas fontes de energia renovável (eólica e solar) que são uma escolha óbvia para a Alemanha em vez da nuclear, dado que as novas instalações de renováveis se tornaram mais baratas do que todas as outras fontes de electricidade”, sublinha a Zero.

“De acordo com o Relatório do Estado da Indústria Nuclear Mundial 2021 e o Instituto de Ecologia Aplicada, os custos de energia para geração de energia nuclear são actualmente de 15,5 centavos de euro por quilowatt-hora, em comparação com 4,9 centavos para energia solar e 4,1 centavos para energia eólica”, expõe a associação ambientalista.

O ministro da Economia e da Acção Climática, Robert Habeck (do partido Os Verdes, que faz parte da actual coligação governamental, juntamente com o SPD e o FDP), salientou, numa declaração divulgada esta semana, que não terá grande impacto na segurança energética nacional desligar estas três centrais – que geraram entre quatro e seis por cento da electricidade alemã no último ano.

Habeck faz questão de sublinhar que está a cumprir uma escolha feita com amplo consenso político: “Estamos a pôr em prática uma decisão tomada pela CDU e pelo FDP, em 2011”, afirmou, citado pelo site de notícias europeias Politico.

Para Os Verdes, partido que deve muito aos movimentos de protesto antinuclear da década de 1970 e que ganhou novo ímpeto após o acidente da central nuclear de Tchernobil, em 1986, chegar ao momento em que são encerradas todas as centrais nucleares é cumprir um objectivo primordial. “No sábado, termina uma longa batalha”, disse o ex-ministro do Ambiente d’Os Verdes, no Governo que em 2000 lançou as bases da saída do nuclear, Jürgen Trittin, citado pelo Politico.

Mais jovens querem deixar o nuclear, mais velhos resistem

No entanto, o facto de a maior economia europeia continuar firme na decisão de abandonar o nuclear, tendo o objectivo de deixar também o carvão até 2030 e atingir a neutralidade carbónica até 2045, destaca-se por ir no sentido contrário da opção que foi tomada por outras grandes economias do continente, como França ou Reino Unido.

Estes países anunciaram reforços da sua aposta na energia nuclear para tentarem cumprir as suas metas de redução das emissões de gases com efeito de estufa (porque tem muito poucas emissões de dióxido de carbono). França, por exemplo, anunciou a intenção de construir seis novos reactores. Nos Estados Unidos, o desenvolvimento de novas tecnologias nucleares é um dos itens dos 391 mil milhões de dólares (355 mil milhões de euros) dedicados à energia e alterações climáticas integrados no pacote legislativo conhecido como Lei de Redução da Inflação.

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Protesto anti-nuclear na Alemanha em 2010. A opinião pública sobre o nuclear mudou Christian Charisius/REUTERS

Mas, se em 2011 a opinião pública alemã era esmagadoramente a favor do abandono do nuclear, hoje já não é assim. Isto acontece, em parte, por causa das alterações climáticas e, muito no último ano, por causa da guerra da Rússia contra a Ucrânia, que expôs cruamente a dependência energética da Alemanha do gás russo.

Uma sondagem DeutschlandTrend para o programa matinal da cadeia de televisão nacional ARD divulgada nesta sexta-feira mostra que a maioria (59%) dos alemães está contra o abandono do nuclear. Só 34% consideram esta decisão acertada. Em 2011, 54% dos alemães que responderam a uma sondagem idêntica apoiavam o abandono do nuclear, e 43% opunham-se.

Há uma divisão geracional na opinião sobre o abandono do nuclear. O grupo dos 18 aos 34 anos apoia a saída (50% é a favor, 39% contra), enquanto mais de 60% nos grupos etários a partir dos 40 anos é contra o encerramento definitivo das centrais.

As opiniões dividem-se consoante a opção política, e há diferenças substanciais entre os três partidos que formam a coligação de governo. Se 82% dos partidários de Os Verdes são a favor da saída do nuclear, só 56% dos sociais-democratas estão de acordo. E 65% dos eleitores dos liberais estão contra o encerramento dos reactores. Na CDU-CSU, o partido que foi liderado por Angela Merkel, a rejeição da saída do nuclear atinge hoje 83%, segundo esta sondagem DeutschlandTrend.

É precisamente da CDU uma das vozes mais críticas ao encerramento dos reactores. Jens Spahn, porta-voz para a Energia do partido, acusa o Governo de se ter transformado numa “coligação do carvão”, porque reabriu até algumas centrais eléctricas a carvão no ano passado para compensar a falta de gás. “O desmantelamento das centrais nucleares é um dia negro para a protecção ambiental na Alemanha”, afirmou, citado pelo Politico.

Os defensores do nuclear na Alemanha fizeram uma investida para conquistar a opinião pública com uma carta aberta dirigida ao chanceler alemão, Olaf Scholz, assinada por vários cientistas (essencialmente alemães e norte-americanos), em que pedem que as centrais nucleares continuem a funcionar. “Tendo em vista a ameaça que as alterações climáticas representam para a vida no nosso planeta e a óbvia crise energética em que a Europa e a Alemanha se encontram, devido à indisponibilidade de gás natural russo”, dizem.

Entre os signatários desta carta dinamizada pela associação RePlanet estão nomes como James Hansen, cientista da NASA que ficou conhecido por ter testemunhado perante o Congresso norte-americano em 1988 que tinha sido detectado o efeito de estufa causado por emissões de origem humana, e que o clima estava a mudar por causa disso. Ou Steven Chu, do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley dos EUA, prémio Nobel da Física de 1997.

Mas o ministro Robert Habeck garante que é irreversível o encerramento das centrais nucleares. Serão desmanteladas ao longo das próximas décadas, e não serão construídos novos reactores. “A construção de novas centrais nucleares tem-se transformado sempre num fiasco económico – quer tenha acontecido em França, no Reino Unido ou na Finlândia”, afirmou, referindo-se à enorme derrapagem em custos e tempo de construção dos projectos de reactores que ali estão em construção.

Espera-se que o novo reactor Olkiluoto 3, na Finlândia, comece a comercializar a electricidade em breve, mas começou a ser construído em 2005 e tinha então data prevista para estar terminado em 2009. Atrasou-se até agora.

Estes são projectos com muitos riscos financeiros, e a electricidade que vão produzir será pelo menos três vezes mais cara do que aquela que era produzida pelos três reactores antigos encerrados agora pela Alemanha, disse ao The New York Times Georg Zachmann, especialista em clima e energia do think tank Bruegel, em Bruxelas. Para ele, há uma dose de irracionalidade tanto em encerrar os reactores antigos como em querer construir novos. “Não diria que só os alemães é que são malucos. Encerrar reactores que já existem é caro, e construir novos é igualmente caro”, afirmou Zachmann.

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