RePlanet, uma nova associação em Portugal contra a “demonização” da energia nuclear

A RePlanet Portugal apresenta-se com um discurso arriscado entre ambientalistas. Co-fundador fala na vontade de “contrariar o negacionismo e apontar para as evidências científicas quando elas são ignoradas ou mal comunicadas”.

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Central nuclear na Bélgica OLIVIER HOSLET/EPA

Portugal tem uma nova associação ambientalista. Rejeita “verdades absolutas”, entendendo que o “pensamento dogmático” é “inimigo do ambiente”. Rejeita também as “filosofias ambientalistas” que começaram a desenvolver-se “a partir da década de 1980”. Concretamente, é contra a “demonização” da energia nuclear. Defende também práticas de “agricultura intensiva” naquelas que são “as terras mais férteis”, para deixar nas mãos da natureza os terrenos que, comparativamente, não são tão bons para a actividade agrícola. Estas são algumas das ideias defendidas pela RePlanet Portugal, segundo o seu co-fundador, João Vermelho Neves.

A RePlanet Portugal, cuja apresentação pública decorreu no início de Outubro, é uma associação com uma filosofia que a distingue muito de outras organizações não-governamentais (ONG) portuguesas ligadas ao sector da sustentabilidade. Fundada por Francisca Rey, João Vermelho Neves e Luís Guimarais, pode ser entendida como o braço nacional da RePlanet Europe, uma rede de organizações que defendem soluções “baseadas no conhecimento científico” para mitigar as alterações climáticas e proteger o planeta da nossa pegada carbónica.

“O nosso objectivo não é entrar em guerras com ninguém. Queremos trazer um aconselhamento científico que, na nossa opinião, estava a falhar em muitos dos movimentos ambientalistas tradicionais”, afirma ao PÚBLICO João Vermelho Neves.

Doutorado em Engenharia de Minas, com 33 anos, João Vermelho Neves frisa que a RePlanet Portugal não pretende, naquilo que diz respeito à sua capacidade de dialogar com as restantes associações ambientalistas do país, “fechar as portas a ninguém”. “Temos de saber fazer pontes com muitas pessoas diferentes”, diz, argumentando que a sociedade e os decisores políticos devem “aproveitar a diversidade de perspectivas” para “acelerar” o “projecto de recuperação do ambiente”.

Os objectivos da associação, continua o seu co-fundador, incluem “contrariar o negacionismo e apontar para as evidências científicas quando elas são ignoradas ou mal comunicadas” à população.

João Vermelho Neves entende que a energia nuclear é um dos casos em que as provas científicas têm sido “mal comunicadas”. “A energia nuclear é aquela que, no que diz respeito à nossa exploração dos recursos naturais, tem o menor impacto. E, em termos de segurança, a indústria evoluiu muito desde Tchernobil. Garantir essa segurança custa muito dinheiro, mas, para o planeta, [a energia nuclear] é claramente melhor”, diz, fazendo referência a James Hansen, influente especialista norte-americano que alertou para os perigos das alterações climáticas anos antes de Al Gore e que, além disso, é um notório defensor da ideia de que a energia nuclear pode desempenhar um papel importante no caminho colectivo rumo à descarbonização.

A questão dos transgénicos e o apartidarismo

A RePlanet Portugal também quer que a Europa “actualize os critérios” através dos quais regulamenta o cultivo de alimentos transgénicos. Quando falamos de alimentos transgénicos, falamos de alimentos que são alterados com os genes de outras espécies para adquirir novas propriedades — que os podem tornar mais resilientes a pragas, por exemplo.

Dizendo que os medos relativos ao potencial impacto negativo destes organismos geneticamente modificados na saúde humana e no ambiente não têm base científica, João Vermelho Neves defende a elevada “taxa de produtividade” dos transgénicos, que, argumenta, podem permitir que o sector agrícola reduza a quantidade de terrenos explorados.

A RePlanet Portugal apresenta-se como uma associação apartidária. João Vermelho Neves opina que, por mais que a protecção da biodiversidade seja uma causa comum a todos, a probabilidade de alguém ser ouvido por um leque alargado de pessoas cai dramaticamente quando “surge associada a um ou outro eixo político”.

“Queremos ficar longe disso, não temos qualquer filiação política”, reforça, dizendo que a RePlanet Europe começou a ganhar corpo nos últimos anos e tem sido capaz de cultivar uma reputação associada ao diálogo “tanto com partidos de direita como com partidos de esquerda”.

João Vermelho Neves diz ainda que na Finlândia, por exemplo, a RePlanet Europe já é vista pelos partidos políticos mais relevantes como “a organização mais confiável para assegurar factualidade científica relativamente ao ambiente e às alterações climáticas”. “Suplantou a Greenpeace, que nos últimos anos tem sido cada vez mais dogmática e menos útil para encontrar as soluções para os problemas que nos assolam”, opina.

“A Finlândia também é um caso engraçado porque é um país onde faz pouco sol e que não tem muitos sítios onde pôr barragens. Há dez anos, estava totalmente dependente de carvão e gás natural. O medo da energia nuclear, uma solução de baixo carbono, parecia, na altura, mais ideológico do que prático”, acrescenta. Lembre-se que a Finlândia tem actualmente uma rede de cinco reactores nucleares, o último dos quais só deverá começar a produzir energia de forma regular a partir de Dezembro.

Francisca Rey, com 30 anos, que já fez investigação na área da indústria cimenteira e, actualmente, trabalha no sector da gestão de resíduos, acrescenta que a ambição da RePlanet Portugal, uma associação “​ambientalista e eco-modernista”​, é trabalhar com empresas, partidos políticos e autoridades, providenciando consultoria e ajudando a aplicar medidas que tenham a preservação dos recursos naturais como objectivo principal.

Sobre a postura possivelmente polémica da associação em áreas como a energia e a agricultura, a co-fundadora diz o seguinte: “Há muitas pessoas que vivem numa situação de pobreza extrema e nós queremos que todos possam desfrutar de prosperidade. Temos de focar a cooperação internacional para o desenvolvimento e para o fim da pobreza. E isso não passa necessariamente pela redução de consumos, que é o que a maioria das associações ambientalistas defende. Passa, sim, por mudarmos a forma como produzimos os nossos bens e tratamos os nossos resíduos, por exemplo. Impor limites ao consumo pode, em alguns contextos, ser um factor de desigualdade.”

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