Tem até um desembargador que vive em Portugal e só se comunica pela Internet

Os advogados brasileiros sofrem o castigo de não serem recebidos pelos magistrados de todos os graus. Tem até um que requer uma viagem transatlântica.

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REUTERS/Carla Carniel

Pensei que depois de 60 anos de militância na advocacia saberia dizer para quê servem os advogados.

Dizem que foi a pandemia! Dizem.

Mas esse pretexto continua vigendo em todos os quadrantes da Justiça brasileira.

Dizem também que os advogados incomodam, atrapalham, perturbam a calma do judiciário, pois estão sempre a reivindicar que os poderes da Justiça funcionem.

É verdade que há profissionais que não honram a profissão. Também pudera, há mais faculdades de Direito no Brasil do que todas somadas no mundo. Antigamente tinha até “faculdade de fim de semana”. Verdade (acho que isso acabou...).

Durante a ditadura militar, de 1964 a 1985, o Brasil licenciou centenas de faculdades de Direito sem nenhuma condição pedagógica, sem biblioteca e sem professores capacitados para o ofício. Somos o produto dessa realidade. Infelizmente.

Também é verdade que há profissionais diplomados e inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sem a menor formação para exercer o ofício. E sem noção do papel que representam na sociedade. Somamos mais de um milhão de inscritos na Ordem, fora os que não passaram no exame da OAB ou que desistiram da profissão.

“Pagam os justos pelos pecadores”, como se diz da leitura equivocada da Bíblia.

O fato é que os advogados brasileiros sofrem o castigo de não serem recebidos pelos magistrados de todos os graus. Outro dia o jornal publicou que tem até um desembargador que vive em Portugal e só se comunica pela Internet. Para falar com ele tem que fazer uma viagem transatlântica.

Estamos alijados do processo, os juízes não recebem mais os advogados. No próprio Supremo Tribunal Federal (STF) teve um ministro [juiz conselheiro] que não recebia advogados, e nem memoriais, que são praxe na vida forense. Seu chefe de gabinete ia logo esclarecendo: “O ministro não recebe advogado”. No exercício da Presidência da Corte, esse ex-magistrado mandou rebaixar a tribuna dos advogados. Isso mesmo, os profissionais que desejassem fazer uso da palavra nos julgamentos não “subiam à tribuna”. Literalmente, desciam dois degraus e tinham que falar olhando para cima para ver os olhares dos julgadores. A regra da lei, que afirma não haver hierarquia entre juízes, membros do Ministério Público e advogados, ali não se respeitava. Advogado ficava abaixo desses protagonistas da Justiça.

Foi no dia da posse do ministro Ricardo Lewandowsky na Presidência da Corte que, em nome do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), requeri a correção dessa barbaridade. E a tribuna da defesa voltou ao seu original, na mesma altura da bancada dos ministros e do Ministério Público Federal.

A OAB tem responsabilidades na defesa de nossa profissão. E se ela não cumpre o dever aqui e acolá, façamos nós, em nome do direito de defesa e da honra do nosso ofício, com a autoridade de que cada um possui no exercício de uma profissão fundamental ao Estado de Direito Democrático! Não é possível que seja tão difícil falar com os juízes, servidores públicos que devem estar acessíveis aos representantes das partes. Parece que eles têm horror a advogados, mas vão ter que nos aturar, em nome da Justiça!


O autor escreve em português do Brasil

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