O privilégio que é ser lido

Não há satisfação maior do que ver um texto extrapolar nossa experiência particular e criar um universo partilhado — nem que seja pelos breves minutos de uma crônica.

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"A cada semana, aprendo um pouco dos interesses (e desinteresses) dos portugueses" Daniel Rocha/arquivo

A primeira crônica que escrevi ao PÚBLICO, a convite da editora de Ímpar, Bárbara Wong, teve uma recepção calorosa dos leitores. Foi em dezembro passado, e contava como encontrei em Portugal o pôr-do-sol que tinha na imaginação desde a infância. Foi uma grata surpresa a quantidade de leitores (sim, meus caros, conseguimos saber quando somos ou não somos lidos) e tentei entender por que aquele conteúdo havia atraído a atenção daquelas pessoas.

Pode ter sido o meu elogio às belezas de Portugal — em geral, gostamos que falem bem de nosso país. Pode ter sido uma curiosidade sobre qual era, afinal, o pôr-do-sol que esta senhora desconhecida imaginava. Pode ter sido, sobretudo nas redes sociais, a bela foto do poente que ilustrava o texto. Pode ter sido o horário da publicação, num dia sem notícias bombásticas que clamassem por atenção. Pode, ainda, ter sido a busca por um momento de respiro num dia ocupado. Nunca saberei ao certo. Mas, mais do que os cliques que lá chegaram, gostei especialmente dos comentários dos leitores a indicar-me os seus lugares favoritos para apreciar esse fenômeno tão especial quanto banal. Agradeci as indicações uma a uma e posso dizer que já consegui apreciar o belíssimo pôr-do-sol de Sagres, um dos recomendados pelos leitores. De certa maneira, fizemos ali uma efêmera, mas simpática, comunidade.

Desde então, tenho escrito textos com maior ou menor leitura, sempre curiosa para entender melhor os interesses e hábitos do público português. Como minha carreira jornalística foi toda feita no Brasil, é como aprender outra língua — e até falei sobre as diferenças de PT-PT e PT-BR que me surpreenderam e sobre uma latente, ainda que minoritária, discriminação contra brasileiros.

Naveguei também por questões de gênero, um dos temas que abordei durante vários anos na mídia brasileira. E, na semana passada, escrevi sobre os 60 anos de Xuxa. Descobri ali que essa figura incontornável para crianças brasileiras dos anos 1980 e 1990 era pouquíssimo relevante aqui, ainda que conhecida. Os portugueses que chegaram, de alguma forma, a ver a chamada para a crônica talvez não tivessem memórias próprias com a apresentadora nem curiosidade para saber as de alguém.

A cada semana, aprendo um pouco dos interesses (e desinteresses) dos portugueses. Suas preocupações. A inflação, os preços da habitação, a greve nas escolas, a situação do governo de António Costa. Notícias incontornáveis, quer as pessoas gostem de lê-las, quer não. E preferências. A incrível história de um jovem que comprou meia aldeia abandonada, como lidar com crianças que respondem atravessado aos adultos, ou uma entrevista com um médico que se vê confrontado com a finitude da vida. Todos conteúdos interessantes, mas nenhum essencial para a função mais nobre dos jornais: a manutenção da democracia.

Se, no caso das notícias incontornáveis, tentamos fazer o melhor para sermos ágeis, inteligíveis e sucintos, no segundo tipo de conteúdo nos desdobramos para merecer a sua atenção, leitor e leitora. E nos alegramos quando a ganhamos frente a atividades tão diversas, online e offline, pessoais e profissionais.

É um privilégio ser lida por vocês e criar, ainda que por alguns minutos, um mundo partilhado. É um grande alento num sem fim de guetos e polarizações. Claro que ainda estou longe de saber o que espera o público do PÚBLICO. Mas espero continuar a aprender, com os cliques e o tempo e os comentários que decidirem dividir comigo.


A autora escreve em português do Brasil

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