Ministério da Justiça está a marcar faltas ilegais a grevistas, diz tribunal

Tutela tentou impedir funcionários judiciais de exercerem direito à greve usando coacção, refere decisão judicial.

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Campus de Justiça, em Lisboa Jose Fernandes

O tribunal administrativo do Círculo de Lisboa decidiu que o Ministério da Justiça não pode marcar falta aos funcionários que estão a fazer greve a determinadas tarefas, mas que se mantêm no posto de trabalho o dia inteiro. Pelo menos da forma como o está a fazer.

O juiz encarregado de dirimir o litígio entre o Sindicato dos Funcionários Judiciais e a tutela acusa mesmo a Direcção-Geral da Administração da Justiça de usar a coacção para dissuadir os trabalhadores de exercerem o seu direito a paralisarem. Tentativa essa que "viola o núcleo essencial dos direitos fundamentais à remuneração e à greve".

Em causa está a paralisação sui generis decretada por este sindicato. Iniciada em meados de Fevereiro, em que os trabalhadores se mantêm no posto de trabalho a fazer atendimento ao público e a tramitar processos, recusando porém praticar determinadas diligências, como julgamentos e interrogatórios.

A tutela decidiu marcar faltas de uma manhã inteira ou de uma tarde inteira consoante os funcionários falhem actos processuais num ou noutro período do dia. E ainda marcar uma falta ao serviço de dia inteiro nos casos em que recusem desempenhar certas tarefas de manhã e à tarde.

“A marcação de uma falta ao trabalho correspondente a meio dia por cada acto não praticado consubstancia unicamente uma penalização financeira destinada a dissuadir pecuniariamente o exercício de um direito reconhecido pela Constituição, já que os trabalhadores estão presentes no local de trabalho durante todo o dia a praticar actos que não sejam os que constam no aviso de greve, pelo que a entidade requerida não poderá marcar-lhes falta e retirar-lhes a remuneração correspondente”, diz o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa depois de o sindicato ali ter apresentado uma intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Data da passada quarta-feira, a decisão recorda ainda que o desconto na remuneração dos trabalhadores, como consequência da greve, “só pode fazer-se na estrita proporcionalidade entre o tempo de abstenção da prestação de trabalho e o valor da retribuição diária/mensal”. Sucede, porém, que esta greve foi declarada ilegítima pelo conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República.

A aceitar-se a legalidade da solução preconizada pela tutela no que respeita à marcação de faltas, “estaria encontrada uma forma de condicionar, por exemplo, o exercício do direito à greve de curta duração (que não é tipologia de greve que ocorre no presente caso), colocando os trabalhadores perante o receio de perderem a totalidade da remuneração e assim diminuindo alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional que garante aquele direito”, diz também o tribunal. Que recorre a um caso real: “Não se pode considerar legítimo que seja retirada remuneração a um oficial de justiça que tenha praticado 358 actos no período de 15 de Fevereiro a 13 de Março e compareceu todos os dias ao trabalho, mas lhe tenham sido marcadas dez meios-dias de falta a que corresponderiam cinco dias sem remuneração”.

Por tudo isto, o tribunal declarou nula a marcação de faltas ao serviço nestas situações. E conclui que, apesar de esta direcção-geral estar vinculada ao princípio da legalidade, tomou uma decisão que “configura uma tentativa de dissuasão (coacção)” dos trabalhadores.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Justiça diz que pondera recorrer da deliberação do tribunal: "A sentença está a ser analisada, equacionando-se a interposição de recurso". Seja como for, acrescenta a tutela, "o registo da assiduidade efectuado desde o início da greve não foi objecto de qualquer tratamento nem desconto nos vencimentos, porquanto se aguardava o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República".

O ministério liderado por Catarina Sarmento e Castro assegura que tem demonstrado abertura para negociar com os trabalhadores e que o estatuto dos oficiais de justiça, cuja revisão está em curso, "será acordado com os sindicatos, no quadro do diálogo que tem pautado a relação com aquelas estruturas".

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