Filipe Raposo e Uriel Herman, um diálogo cultural a dois pianos em Lisboa

Um pianista português e outro israelita juntam-se esta quinta-feira no Centro Cultural de Belém. O concerto a quatro mãos foi preparado numa residência artística em Lisboa.

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Filipe Raposo e Uriel Herman ANTÓNIO MARINHO DA SILVA/REFAEL SHAHARI

Dois pianos, um universo: é assim que nos é apresentado o concerto que os pianistas Filipe Raposo e Uriel Herman darão esta quinta-feira, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, às 21h. Músicos e compositores da mesma geração, um português e o outro israelita, é a primeira vez que tocam juntos, respondendo a um desafio que lhes foi lançado há um ano. O concerto foi preparado esta semana em Lisboa, numa residência artística.

A proposta nasceu em 2022, quando Filipe Raposo foi tocar com Sérgio Godinho a São Paulo, no Brasil, na celebração do Dia de Portugal, 10 de Junho, com uma orquestra de jazz local. Duas produtoras da Connecting Dots, uma a viver em São Paulo e outra em Lisboa, ouviram-no a tocar e pensaram que podia ser boa ideia juntar os dois pianistas. “Acharam que havia muitas afinidades entre nós e propuseram este encontro”, diz ao PÚBLICO o músico português. E não erraram: “Ambos tivemos formação clássica, ambos fomos influenciados e trabalhamos muitas vezes com a base da música tradicional, e ambos tivemos também formação em jazz. Foi um feliz encontro, no sentido de que existe esta confluência estilística, apesar de o Uriel ter uma influência mais ligada ao Médio Oriente e de a minha estar mais ligada à Europa ocidental. Curiosamente, eu já trabalhava, no meu repertório, algumas canções ligadas ao património sefardita.”

No concerto, essa ligação será reforçada com a presença do Coro Ecce, dirigido pelo maestro Paulo Lourenço, que interpretará obras ligadas ao cancioneiro sefardita, com arranjos de Filipe Raposo. “Isto porque no ano passado, no Festival de Alcobaça, estreámos uma obra minha, para coro e piano, que partiu precisamente da premissa do cancioneiro sefardita. Decidi convidá-los para este concerto e acho que faz uma ponte muito interessante e diplomática (num domínio político, não apenas cultural) entre a influência da cultura sefardita no Sul da Europa e uma cultura mais asquenaze”, explica o pianista.

Embora já tivessem conversado, à distância, Filipe e Uriel encontraram-se pela primeira vez esta segunda-feira, dia em que o pianista israelita chegou a Lisboa para uma residência de criação artística de três dias, no Bairro Alto: “Já tínhamos decidido, a priori, o repertório que vamos fazer. São composições minhas e do Uriel, dos nossos últimos trabalhos, arranjadas para dois pianos, e deixamos também uma secção para duas composições novas e outra onde estaremos a solo. Além do coro, como convidado.”

O mais recente trabalho de Filipe Raposo é o álbum Øbsidiana, de 2022, segundo volume da sua trilogia das cores (depois de Øcre, de 2019), enquanto o último de Uriel Herman, Different Eyes, está agora a ser lançado, sucedendo a Face to Face, de 2019. Este, curiosamente, um álbum que, segundo a apresentação do próprio, girava “em torno do acto e da influência de um encontro com o outro, uma confluência que nos muda”. O que já definia a essência, a anteriori, do que vai passar-se agora no concerto de Lisboa.

“É o início de uma jornada que esperamos que continue”, diz Filipe Raposo. “Depois do concerto de Lisboa, haverá outro em Outubro, no Brasil, na Sala de São Paulo, uma das mais importantes salas de concertos da América Latina (a maior, segundo eles), num festival ligado ao piano. O festival tem duas vertentes: o piano clássico e o piano jazz. E este concerto para dois pianos será inserido na vertente do piano jazz. É uma sala onde eu já estive, em 2017, com o projecto em homenagem ao rei-poeta Al-Mutamid.”

Voltando ao significado deste concerto, ainda nas palavras do pianista português: “Eu acredito muito no espaço que a música tem no sentido de poder construir pontes entre territórios e também diálogos entre culturas que podem ser distantes. É através da assimilação e da exploração da diferença cultural que podemos aprender e enriquecer-nos. Acredito mesmo que é importante construir estes diálogos e estas pontes, e, apesar de [nestes concertos] não existir propriamente a palavra cantada, ou explícita, existe uma poética que cada um de nós tem desenvolvido pianisticamente. E isso, dois pianos que possuem este lado mais poético, torna o encontro ainda mais interessante.”

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