Mobilidade por doença de professores: ministro ignorou ofício da provedora de Justiça

João Costa não respondeu a ofício em que a provedora tecia várias críticas a novo regime de mobilidade por doença. Lei prevê que entidades devem responder e provedora lembra que costumam fazê-lo.

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João Costa ignorou ofício da provedora de Justiça LUSA/ANTÓNIO COTRIM

O ministro da Educação, João Costa, ignorou um ofício que lhe foi enviado pela provedora de Justiça, em Outubro passado, no qual Maria Lúcia Amaral expõe várias críticas ao novo regime de mobilidade por doença (MPD) dos professores, que foram alvo de notícias publicadas em vários órgãos de comunicação social. O facto é sublinhado pela própria provedora numa recomendação sobre o mesmo tema que, na semana passada, remeteu a João Costa.

Lembrando que chegaram à provedora de Justiça “várias queixas que contestavam o regime de mobilidade por doença dos docentes” aprovado em Junho de 2022, Maria Lúcia Amaral refere que, “após análise das questões suscitadas” nessas reclamações e “ponderados os resultados” da sua aplicação, solicitou ao ministro da Educação que se “pronunciasse sobre as vertentes deste assunto” expostas no ofício que lhe enviou a 25 de Outubro de 2022. “Não tendo sido recebida resposta a tal ofício, e na ausência de outros argumentos que possam justificar uma reavaliação das questões já elencadas por este órgão do Estado, cumpre-me dirigir a vossa excelência a presente recomendação”, explicita.

Em resposta ao PÚBLICO, a provedora de Justiça explica que, “no âmbito da instrução de processos, é dever do provedor de Justiça promover o contraditório, dando a oportunidade de pronúncia às entidades envolvidas”. “Ao fazê-lo, o provedor de Justiça cumpre a sua obrigação, sendo comum as entidades visadas aproveitarem essa etapa para exporem os seus pontos de vista”, acrescenta.

A lei determina também que as entidades públicas “têm o dever de prestar todos os esclarecimentos e informações que lhes sejam solicitados pelo provedor de Justiça” e que o “incumprimento não justificado” deste dever “constitui crime de desobediência”.

O PÚBLICO questionou o Ministério da Educação sobre as razões pelas quais não respondeu ao ofício da provedora, mas também ficou sem resposta.

As novas regras da mobilidade por doença levaram a que só 4268 dos 7547 pedidos de mobilidade por doença para o ano lectivo 2022/2023 tenham sido aceites. O regime aprovado pelo Governo foi repudiado pelos sindicatos de professores e mereceu também o parecer negativo do Conselho das Escolas, que é o órgão que representa os directores junto do Ministério da Educação.

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Provedora deixa críticas ao novo regime de mobilidade por doença dos professores

Professores necessitam de uma protecção "mais ampla"

Na recomendação que agora enviou a João Costa, a provedora de Justiça insiste que, a par da mobilidade por doença, “e tendo presentes as especiais exigências da função docente, seja ponderada a aprovação de um novo e adequado regime de protecção dos docentes na doença”, que contemple a redução das horas de aulas para os professores portadores de deficiência ou doença crónica, sem que para tal precisem de mudar de escola.

A este respeito, a provedora sublinha que o actual quadro legal apenas contempla aquela medida no âmbito da mobilidade por doença, sendo que há muitos outros docentes cuja situação clínica exigiria uma menor carga lectiva, mas que não necessitam de pedir mudança de escola por já se encontrarem próximo da sua residência ou do local de tratamento.

A não existência deste regime de protecção mais amplo está em “desacordo com a obrigação da entidade empregadora de promover medidas que permitam, neste caso, aos docentes portadores de doença crónica ou deficiência, exercerem a sua actividade”, conforme previsto no Código de Trabalho e de “outros instrumentos, designadamente internacionais, que vinculam o Estado português”.

Entre as recomendações que seguiram para o Ministério da Educação defende-se também a revisão e actualização do “elenco de doenças incapacitantes susceptível de justificar a aplicação” do regime de mobilidade por doença. Aquela listagem continua a ser a que consta de um despacho de 1989, que foi elaborado com o objectivo de fixar as doenças incapacitantes que justificam longas ausências ao trabalho e, por isso, “não se revela adequada a sua utilização para outros fins, designadamente para aferir da necessidade de uma solução de mobilidade”, frisa Maria Lúcia Amaral.

Por outro lado, a provedora preconiza ainda que “seja encontrada uma solução que impeça a penalização dos docentes pelos actuais atrasos na emissão dos atestados médicos de incapacidade multiuso (AMIM)”. Na recomendação afirma-se, a este respeito, que “é com estranheza que se constata” que se faça depender a certificação do grau de incapacidade “do certificado multiuso, quando são bem conhecidos os atrasos da administração na sua concessão”.

A provedora espera agora “que as recomendações sejam tidas em conta pelo Governo no âmbito da negociação em curso com os sindicatos sobre vários aspectos do regime da função docente, e possam ter efeitos já no próximo concurso de mobilidade por doença relativo ao ano escolar 2023/2024”.

Uma das principais competências do provedor de Justiça é “dirigir recomendações com vista à correcção de actos ilegais ou injustos dos poderes públicos”, devendo as entidades a quem estas são dirigidas comunicar a sua posição no prazo de 60 dias. “O não acatamento da recomendação tem sempre de ser fundamentado”, estipula-se também no Estatuto do Provedor, que foi aprovado pela Assembleia da República.

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