Crise climática pode levar indústria da carne e leite a perdas de 24 mil milhões de dólares

O aumento do preço das rações e possíveis taxações de emissões de carbono podem levar a uma queda de 7% nas margens de lucro de empresas produtoras de gado e de lacticínios.

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As vacas são o gado que implicam mais emissões poluentes Rui Gaudencio

Os lucros de 40 dos maiores produtores de gado do mundo podem, colectivamente, diminuir em cerca de 24 mil milhões de dólares em 2030, em comparação com os valores de 2020, como resultado das alterações climáticas, de acordo com uma estimativa de um grande grupo de investidores conhecidos como FAIRR.

A previsão de perda de lucros reflecte maioritariamente o aumento dos preços das rações e as taxas de carbono. O grupo de 40 empresas pode ver uma queda de 7% nas margens de lucro. Aqueles da América do Norte, como Tyson e Cal-Maine, um produtor de ovos, vão estar entre os mais atingidos e estima-se que as margens de lucro caiam em média 11%, indicam os dados.

Outros grandes produtores de carne como a empresa JBS no Brasil e o grupo chinês WH Group, segundo a FAIRR, também vão ser afectados. As vacas são o gado com maior número de emissões poluentes, por isso, as companhias que produzem carne vermelha e lacticínios são as mais expostas a taxas de carbono, calcula a FAIRR. As estimativas são baseadas no pressuposto de que a temperatura média global vai aumentar em 2º C até 2100. Sob este cenário, e sem existir mitigação, metade das 40 empresas de gado avaliadas estariam a operar sob prejuízo em 2030.

“Há muito valor em risco”, disse Mari Letiini, director executivo da FAIRR, uma organização sem fins lucrativos focada em riscos ESG no mercado alimentar global, com o apoio de investidores que gerem 70 triliões de dólares em bens activos. “Queremos que os investidores tenham uma voz nítida” quando tentam convencer os produtores de carne a avaliar e gerir os riscos de temperaturas mais altas na sua cadeia de fornecimento e eventuais lucros.

A iniciativa FAIRR, fundada por Jeremy Coller, director de investimento da empresa de capital privado do Reino Unido, Coller Capital.

Um relatório publicado recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática (IPCC) das Nações Unidas deixou o aviso que é provável que o mundo exceda “a curto prazo” os 1.5º C de aquecimento. Os produtores de gado estão vulneráveis porque os fornecedores de culturas alimentares, como o milho e a soja, podem ser afectados pelo excesso de calor, secas e mudança nos padrões da chuva. Actualmente, apenas seis das 40 empresas analisadas realizaram análises de cenários climáticos.

“A maioria das companhias não têm análises de cenários climáticos”, disse Tovia Rosner, que gere o Allianz Global Investors' Food Security Fund, que tem 68 milhões de dólares em bens activos sob gerência. “É algo que definitivamente insistimos nas nossas interacções."

O potencial impacto nos lucros da indústria é impulsionado, maioritariamente, por custos mais elevados relacionados com o clima, com uma previsão de um aumento de mais de 9% em média, segundo a FAIRR. Dessa amplificação, 5% está relacionada com rações mais caras e 4% com impostos de carbono sob as emissões do gado. A ONG sugere que os grandes produtores de carne e de lacticínios possam mitigar o risco se diversificarem os produtos, recorrendo a rações com ingredientes alternativos e direccionando os seus portefólios em direcção a alternativas vegetais.

As companhias norte-americanas parecem ser as mais expostas a potenciais perdas. Das seis companhias analisadas, as margens de lucro cairiam uma média de 11% até 2030, devido a um aumento médio de 15% dos preços das rações, disse a FAIRR.

“A América do Norte vai enfrentar maiores impactos por causa do preço do milho, o que é uma descoberta chave”, adiantou Simi Thambi, economista climático na organização sem fins lucrativos. Os impactos das taxas de carbono podem ser mais difíceis de definir. Ainda nenhum país impôs uma taxa de carbono na agricultura, embora os mecanismos de taxação de emissões de carbono noutras indústrias esteja a tornar-se cada vez mais popular. A Nova Zelândia, onde metade das emissões são provenientes da agricultura, está entre os primeiros países a propor uma taxa sobre as emissões agrícolas.

Os dados da FAIRR representam “uma comparação entre cenários que pode ajudar empresas de gado e investidores a compreender a incerteza quando se fala de alterações climáticas”, disse Lettini.

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