A Alcântara não serve apenas para forrar os bancos de um automóvel

Um novo livro, a ser lançado em Abril, explora a história do material sintético na moda e na arte.

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Material colorido feito a partir de Alcântara em exposição em Hamburgo, Alemanha, no âmbito da mostra Aircraft Interiors Bloomberg/Krisztian Bocsi

Se gosta de carros, já ouviu falar de Alcântara, o tecido tipo camurça que cobre os volantes dos Lamborghini Huracáns e dos Porsche 911 S, mas também os assentos do BMW i8 ou de um exclusivo Bugatti Chiron. O novo SUV Ferrari Purosangue, por exemplo, oferece uma opção especial de revestimento interior que inclui Alcântara feito de materiais reciclados.

Mas a empresa que a fabrica, fundada em 1972, vem de um passado muito mais variado do que apenas o que envolve as quatro rodas. Um livro a ser lançado a 25 de Abril, Alcantara, The Material of Art (ed. Skira, sem tradução prevista para português), explora a preenchida história do material.

Criada pelo cientista da Toray Industries Miyoshi Okamoto, no final dos anos 60, a Alcântara é composta por 68% de poliéster e 32% de poliuretano e foi baptizada a remeter para o árabe al-quantarah (ponte; arco). Okamoto tinha descrito a sua criação como “ilhas no mar” quando vista sob um microscópio de alta potência, pelo que dar o nome de ponte aos pequenos aglomerados parecia uma forma adequada de os unir.

Na altura, o cientista japonês pensava que o seu material, que se assemelhava ao couro acamurçado, podia ser utilizado para a parte superior do calçado, porque era macio ao toque, mantendo-se ao mesmo tempo flexível e — o melhor de tudo — impermeável. Apresentou a primeira patente em 1970 e, dois anos depois, a Alcantara SpA começou como uma joint venture entre a empresa química italiana Eni Group e Toray. (Toray inventou outro sucesso comercial em massa, o raiom, e hoje é o maior produtor mundial de fibra de carbono, fornecendo-a para grandes artigos como os componentes exteriores dos aviões Boeing 787). A Toray detinha 49% das acções, enquanto a Eni detinha a maioria de 51%.

Em 1978, o tecido de alta tecnologia da Okamoto estava a aparecer nos assentos dos automóveis, e a fábrica da empresa, em Nera Montoro, Itália, tinha conquistado boa reputação como alfaiate de automóveis.

A beleza da Alcântara como material industrial é que é durável e lavável, e, ao contrário do couro, respirável. Isso tornou-a a opção ideal para marcas de automóveis desportivos e de luxo; enquanto os volantes revestidos a couro podem tornar-se fugidios em mãos suadas, como invariavelmente acontece, o exterior aveludado da Alcântara faz com que a roda fique firme e sem escorregar.

O material também absorve muito bem a tinta, podendo ser tingido em praticamente qualquer tonalidade. A Fiat foi o primeiro grande cliente relacionado com o automóvel. Seguiram-se colaborações com a Audi e a Lancia, depois com a Alfa Romeo, a Subaru, a Maserati e a McLaren.

As aplicações para a sua utilização logo chegaram muito além dos automóveis. Nas décadas de 1980 e 1990, designers de vestuário e decoradores de interiores utilizaram a Alcântara para denotar o quão refinadas e exclusivas eram as suas colecções. Ajudou que o material fosse especialmente resistente à torção e a rasgos, o que o tornava óptimo para casacos, chapéus e luvas.

Em 1995, a Toray comprou a participação dos seus sócios italianos e passou a ser accionista de 70% da Alcantara; a Mitsui é proprietária do resto.

Então, em 2004, um novo director-geral chamado Andrea Boragno disse que queria envolver a empresa no mundo da arte. Afinal, era fácil imprimir e pintar em Alcântara; aguentava esses meios como uma tela, também. Sendo leve, presta-se a uma multiplicidade de formas: 10.000 metros de fibras pesam apenas um grama; quando tecida como couro, digamos para uso em estofos, pesa cerca de metade.

Os primeiros projectos incluíram colaborações com o Museu MAXXI no distrito de Flaminio, em Roma. Instalado num edifício projectado por Zaha Hadid, o museu realizou exposições sublinhando as propriedades da tecnologia e a forma como estas influenciam o design. O artista Massimilian Adami sobrepôs camadas de Alcântara numa figura do tipo estalagmite; François Azambourg criou um painel de parede em Alcântara dobrado como um origami.

Trabalhos artísticos posteriores apoiados pela empresa incluíram tapeçarias de parede no Palazzo Reale, em Milão, e caligrafia feita em Alcântara como forma de fazer a ponte — outra vez a palavra que está na sua origem — entre tradições antigas e invenções modernas.

Actualmente, a Alcântara conta centenas de patentes associadas ao seu novo tecido de microfibras. E Okamoto é estimado pela sua invenção: Toray deu o seu nome a um laboratório de investigação. Em 2001, recebeu o Prémio Leonardo pela sua contribuição para produtos de renome mundial feitos em Itália.


Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução: Carla B. Ribeiro

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