UE em “boa posição” para responder aos apelos de Guterres para a acção climática

Secretário-geral das Nações Unidas vai estar no Conselho Europeu. Espera-se que sublinhe a urgência de cortar nas emissões de gases com efeito de estufa, expressa pelos cientistas do IPCC esta semana.

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António Guterres pede aos países mais ricos que mobilizem recursos financeiros e técnicos para apoiar as nações emergentes a reduzir também as suas emissões MAXIM SHIPENKOV / POOL

A União Europeia tem “bons argumentos” para apresentar ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, quando este levantar a questão da crise climática durante a reunião do Conselho Europeu, esta quinta-feira, em Bruxelas. “Sabemos que a situação é preocupante, mas estamos numa boa posição em relação à acção climática, e até temos recomendações a fazer”, comentou ao PÚBLICO uma fonte europeia envolvida na preparação dos trabalhos da cimeira.

Os parceiros europeus querem sensibilizar o secretário-geral da ONU para a “utilidade” e “eficácia” do alargamento do sistema de compra e venda de emissões ou outras medidas adoptadas pela UE, como o Mecanismo de Ajustamento de Carbono nas Fronteiras, que levantam problemas a vários países, caso da China.

“A nossa experiência demonstra que pôr um preço no carbono tem um impacto muito positivo na redução das emissões”, salientou este responsável, acrescentando que o objectivo da UE é “encorajar” a ONU a promover este tipo de abordagem de forma “mais proeminente”.

Os dirigentes da UE esperam que o secretário-geral da ONU aproveite a oportunidade de se dirigir ao Conselho Europeu para fazer soar novamente o alarme quanto à saúde do planeta, reforçando a mensagem que transmitiu no início da semana, na apresentação do Relatório Síntese do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), produzido por um conjunto alargado de cientistas internacionais.

António Guterres referiu-se ao documento como uma espécie de “manual para a sobrevivência da humanidade”, sublinhando que da sua leitura fica óbvio que é preciso “intensificar os esforços climáticos de cada país e de cada sector” para ainda ser possível atingir as metas definidas no Acordo do Clima de Paris para travar o aquecimento do planeta.

Na altura, António Guterres dirigiu-se aos países do G20 com a proposta de Pacto de Solidariedade Climática: “Todos os grandes emissores [de gases de estufa] têm de fazer esforços extra para cortar, e os países mais ricos devem mobilizar recursos financeiros e técnicos para apoiar economias emergentes num esforço comum para manter vivo o objectivo de a temperatura média do planeta não subir mais do que 1,5 graus”.

Os cientistas concluíram que os compromissos assumidos pelos países para a redução dos gases com efeito de estufa, até 2030, “tornam provável que o aquecimento [global] exceda 1,5 graus durante o século XXI e tornam mais difícil que o aquecimento fique abaixo de dois graus Celsius”.

São necessárias reduções das emissões “rápidas, profundas e sustentadas em todos os sectores”, para atingir esse objectivo, disseram os cientistas. “As emissões deviam estar já a reduzir-se e terão de ser cortadas em cerca de metade até 2030, se queremos limitar o aquecimento até 1,5 graus”, lê-se no relatório. É preciso cortar 43% nas nossas emissões de gases com efeito de estufa até 2030, em comparação com os valores de 2019.

As perspectivas dos especialistas que trabalham sob a égide da ONU são muito negativas: “Sem um reforço das políticas projecta-se um aquecimento global de 3,2 graus até 2100”, estimam. Mas esse cenário ainda pode ser evitado, e nem sequer é preciso esperar que sejam inventadas novas soluções, acrescentam: basta aumentar o financiamento da adaptação e mitigação.

“Há múltiplas opções, eficazes e exequíveis, para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa e adaptarmo-nos às alterações climáticas motivadas pela actividade humana”, diz o relatório, vincando a urgência de adoptar as medidas já disponíveis em termos de conservação dos solos ou gestão de recursos hídricos, entre muitas outras.

Os líderes da UE não são indiferentes à agenda climática da ONU, e aproveitarão a oportunidade para puxar dos galões: depois da aprovação da Lei do Clima, a UE passou a estar juridicamente obrigada a alcançar a neutralidade climática em 2050. Foi a única região do mundo, até agora, a assumir esse objectivo. No discurso de apresentação do relatório do IPCC, Guterres apelou mesmo aos líderes dos países desenvolvidos que “se comprometam a atingir a neutralidade carbónica tão perto quanto possível de 2040”,

Toda a estratégia de crescimento e desenvolvimento económico da UE assenta na transição ecológica e energética — uma aposta que foi reforçada na sequência da pandemia e da guerra na Ucrânia.

Além do combate às alterações climáticas, António Guterres traz uma segunda mensagem relacionada com a sustentabilidade para discutir com os 27. Diz respeito à agenda dos 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG, na sigla em inglês) até 2030, e particularmente à questão do financiamento. O apoio financeiro está em falta também para medidas de adaptação às alterações climáticas nos países com rendimentos mais baixos e mais vulneráveis às consequências da mudança do clima, como cheias e secas.

O secretário-geral da ONU defenderá, mais uma vez, a adaptação da arquitectura financeira internacional (o Banco Mundial e o FMI, e os diferentes bancos de desenvolvimento regionais) às necessidades dos países mais pobres. com Clara Barata

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