A intervenção de Niskier para a transformação do Brasil

A crise que se manifesta, no Brasil, nos mais diversos sectores da Educação e do Ensino, constitui o tema de comunicação e debate esta terça-feira na Academia das Ciências.

Arnaldo Niskier, que é – e há muito, no Brasil – uma das maiores autoridades em matéria de Educação e de Ensino, encontra-se em Portugal para estabelecer contactos institucionais e, entretanto, apresentar esta terça-feira, 21 de Março, às 15 horas, uma comunicação na Academia das Ciências, de cuja Classe de Letras é sócio correspondente brasileiro. O tema abrange a história do passado e a problemática do presente. Subordinada ao tema genérico Da Companhia de Jesus à Educação no Brasil nos dias de Hoje, Arnaldo Niskier, como, aliás, se verifica em numerosos ensaios críticos que tem publicado, não se escusará de abordar a “conjuntura atual que permanece” – e conforme tem repetidamente acentuado, “repleta de condicionalismos. Muitas das soluções apresentadas têm sido precárias e acentuam, cada vez mais, a profunda crise que se manifesta, no Brasil, nos mais diversos sectores da Educação e do Ensino”.

A Academia das Ciências de Lisboa, na sua trajetória bicentenária, inscreveu o Brasil, logo de início, nos seus grandes objetivos literários, científicos, políticos e diplomáticos. A presença de José Bonifácio, como secretário-geral, constitui um dos exemplos mais emblemáticos. Este objetivo voltou a ser relançado e inserido numa hierarquia de prioridades pelo Prof. Dr. José Luís Cardoso, atual presidente da Academia das Ciências e pelos seus diretos colaboradores. Mas é com a maior satisfação que reconheço, também, fazer parte da programação que está a ser realizada, pelo meu colega e confrade Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira de Letras, mestre de Jornalismo e de Jornalistas, grande repórter e grande protagonista nas tribunas de opinião do jornal O Globo e membro do conselho editorial do Grupo Globo, o maior universo da comunicação social não apenas do Brasil, mas também da América Latina.

Eleito, em 2 de Dezembro de 1999, sócio correspondente brasileiro da Academia das Ciências, Arnaldo Niskier tem uma forte e extensa relação com Portugal. Somos amigos desde 1963 – há, portanto, 60 anos – e ambos nos conhecemos como jornalistas a realizar um trabalho profissional – Arnaldo Niskier para a Manchete e eu para o Diário de Notícias.

Além da comunicação que vai proferir e que já mencionámos, a Academia das Ciências presta-lhe homenagem, em cerimónia presidida pela vice-presidente da Classe de Letras, Prof. Dr.ª Maria da Glória Garcia, para evidenciar os aspetos mais relevantes da obra e da personalidade de Arnaldo Niskier. É uma intervenção em torno dos múltiplos aspetos do magistério, mas também abrange uma expressiva atividade pública, no exercício de funções governamentais. Em largas dezenas de livros ocupou-se do estudo e refexão da investigação histórica e literária e do jornalismo profissional, adquirindo, nas últimas décadas, uma dimensão nacional e um estatuto internacional.

Com efeito, os últimos 50 anos do Brasil têm a inapagável marca da intervenção cultural, social e política de Arnaldo Niskier. O planetário da Gávea, no Rio de Janeiro – referência obrigatória da cidade e invadido, diariamente, por sucessivos grupos de jovens estudantes e turistas – constitui uma das suas notáveis realizações, resultantes das quatro vezes que desempenhou cargos governamentais nas áreas da Cultura e Educação, da Ciência e da Tecnologia. Ao proceder à requalificação da cultura do Brasil também projetou um museu da ciência, na cidade de Campos, no espaço emblemático da Quinta da Baronesa; e, ainda, no Rio de Janeiro, organizou e pôs em funcionamento um museu do automóvel, ao lado do planetário.

Mas também avultam – no diversificado currículo de Arnaldo Niskier – a implantação de uma centena de escolas e o lançamento de uma rede de bibliotecas, a fim de estimular a leitura e promover a difusão do livro. Instituiu concursos e festivais de literatura, organizou debates sobre novas tecnologias, colóquios, seminários e outras iniciativas, para a valorização da língua portuguesa, como língua de expressão e cultura, como língua de trabalho, idioma de comunicação para o diálogo e o encontro de povos e civilizações.

Membro da Academia Brasileira de Letras, desde 1984, e seu presidente em 1998 e 1999, exerceu uma ação de tal modo relevante que Carlos Heitor Cony, com pleno conhecimento de causa, afirmou que a existência centenária da ABL se caracteriza por “dois períodos antes e depois de Arnaldo Niskier. Trouxe para a ABL o seu know-how de grande executivo. Impôs a modernidade”. Devem-se-lhe, por exemplo, a instalação do Banco de Dados, que catalogou mais de 12 mil escritores da língua portuguesa; e, ainda, a instalação e inauguração do Teatro Magalhães Júnior e a fundação da Galeria Manuel Bandeira.

E last, but not the least, intensificou o culto por Machado de Assis, grande escritor, o maior entre os maiores, fundador da Academia Brasileira de Letras. Arnaldo Niskier já havia consagrado um livro que tem lugar primordial na bibliografia de Machado e onde, a dado passo, observa, com penetrante lucidez, que “toda a obra machadiana, é sempre uma lição, mesmo quando não é, exatamente, esse o seu objetivo”. Nada mais exato, seja qual for a perspetiva com que contemplemos a obra multifacetada de Machado de Assis. Isto porque Machado de Assis ensinou o Brasil a ser ele mesmo.

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Machado de Assis fotografado em 1904, ano em que publicou " Esaú e Jacó" DR/ARQUIVO NACIONAL DO BRASIL

Perante embaraços suscitados por familiares que continuavam nas fronteiras do absurdo, Arnaldo Niskier empenhou-se, com tenacidade, na trasladação, em Abril de 1998, para o mesmo jazigo do Cemitério São João Batista, de Machado de Assis e de sua mulher e inseparável companheira Carolina, celebrada num dos mais belos sonetos da língua portuguesa. Havia uma questão fundamental a resolver. Depois do falecimento de Machado, a família de Carolina recusou, obstinadamente, a colocação do seu corpo ao lado dos restos mortais do marido, sob a alegação de que “ele era mulato”. Arnaldo Niskier conseguiu que Machado e Carolina voltassem a ficar juntos para sempre. Uma alegoria escultórica, dois pares de mãos entrelaçadas, simboliza a vida vivida em comum e repara a odiosa discriminação racial.

Apesar das inevitáveis citações que remontam aos séculos XVI, ao século XVII e a uma parte do século XVIII, Arnaldo Niskier vai, na Academia das Ciências, chamar a atenção – e com a frontalidade que lhe é peculiar – para a complexa situação que se vive, presentemente, no Brasil e que requer medidas pontuais e estruturais da maior urgência. Aliás são frequentes as interpelações de Arnaldo Niskier nas tribunas de opinião que lhe estão reservadas nos mais importantes jornais diários como, por exemplo, o Globo e o Estado de São Paulo, nas quais disserta e analisa questões de flagrante atualidade – e nas mais diversas vertentes – nos sectores da Educação e do Ensino.

O magistério cultural e cívico de Arnaldo Niskier vai, como sempre, incindir – nesta comunicação apresentada na Academia das Ciências de Lisboa – em questões primordiais destinadas a transformar o Brasil. É a aposta no futuro. É doutrinação e crítica necessárias para alertar e propor a urgência das soluções fundamentais destinadas à reconstrução do Brasil, perante um novo ciclo da sua história cinco vezes centenária.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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