Oposição turca escolheu o homem que pode pôr fim à era de Erdogan

Candidato da aliança que junta seis partidos será Kemal Kilicdaroglu, líder do maior partido da oposição. Sondagens apontam para cenário de incerteza.

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Kemal Kilicdaroglu vai tentar derrotar Erdogan nas eleições de Maio Reuters/ALP EREN KAYA/CHP

A coligação que junta seis partidos da oposição ao Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, escolheu um candidato para desafiar o actual chefe de Estado nas eleições presidenciais de Maio. O processo de escolha do candidato oposicionista expôs alguns problemas no seio da aliança que podem favorecer Erdogan.

Em Ancara, cerca de duas mil pessoas concentraram-se na segunda-feira para escutar o discurso de Kemal Kilicdaroglu, o presidente do Partido Republicano do Povo (CHP, na sigla original), que foi escolhido para ser o candidato de unidade da oposição a Erdogan.

“A nossa mesa é a mesa da paz”, afirmou Kilicdaroglu, um veterano da política turca que, aos 74 anos, terá em Maio a maior prova de uma longa carreira. “Iremos governar a Turquia com consultas e consensos”, garantiu.

Kilicdaroglu, um economista de formação que passou grande parte da sua vida como presidente da Segurança Social turca, lidera o CHP desde 2010 e é visto como o artífice de uma profunda reforma no partido fundado por Mustafa Kemal Atatürk, mas os seus críticos apontam para o seu falhanço em conseguir atrair o eleitorado mais conservador, que se mantém fiel a Erdogan. O seu perfil discreto e a carreira como burocrata também são encarados como desvantagens perante o carisma do actual Presidente.

As eleições marcadas para 14 de Maio, que incluem presidenciais e parlamentares, representam a maior oportunidade em vários anos para a oposição conseguir destronar Erdogan, o homem que governa a Turquia há mais de duas décadas. Embora tenha modernizado a economia turca, Erdogan é visto pela oposição e por organizações de defesa dos direitos humanos como um líder cada vez mais autoritário, reduzindo ao máximo as margens para a dissensão.

Com a subida acentuada dos custos de vida e uma crise inflacionária que dura há já vários anos, a oposição parece estar bem encaminhada para derrotar Erdogan e o seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) e pôr fim a uma era. O impacto dos sismos que atingiram a região sul da Turquia, causando mais de 45 mil mortos, desencadeou uma discussão ampla acerca do modelo de desenvolvimento privilegiado pela governação de Erdogan, bem como a promoção de uma cultura de corrupção e ausência de supervisão na construção civil, que também poderá beneficiar a oposição.

No entanto, a missão de derrotar Erdogan está longe de ser simples. Para além do controlo sobre a máquina pública, o AKP é uma máquina eleitoral bem oleada, depois de duas décadas praticamente sem derrotas nas urnas. As excepções principais aconteceram nas eleições locais de 2019, em que os candidatos do CHP venceram em algumas das principais cidades turcas, como Istambul ou Ancara.

As sondagens apontam para um cenário de enorme incerteza, com Erdogan e o candidato oposicionista a disputar o primeiro lugar taco a taco, embora com uma ligeira vantagem para a oposição, segundo a Reuters.

A oposição terá ainda de lidar com as próprias divisões internas que ficaram patentes durante o processo de escolha do candidato presidencial. Na sexta-feira, a líder do partido IYI (Bom, em turco), Meral Aksener, considerada uma das políticas mais importantes nos círculos anti-Erdogan, rompeu com a coligação por discordar da escolha de Kilicdaroglu como candidato. Aksener preferia que a aliança apoiasse um dos autarcas eleitos pelo CHP, como o presidente da Câmara de Istambul, Ekrem Imamoglu, ou o de Ancara, Mansur Yavas, por entender que ambos seriam mais populares do que o líder do partido.

Depois de um fim-de-semana de negociações intrincadas, chegou-se a um acordo que deverá reservar os cargos de vice-presidente para os líderes dos restantes cinco partidos que compõem a coligação e também para Imamoglu e Yavas, apesar de o programa da oposição incluir a promessa de acabar com o cargo de vice-presidente, como explica o Guardian.

O acordo foi suficiente para fazer regressar o IYI de Aksener e manter a frente unida que todos os analistas consideram ser determinante para fazer frente a Erdogan. “A não ser que a Aliança Nacional consiga construir uma narrativa coerente em torno desta decisão e comunicá-la de forma eficaz, e que as perguntas que as pessoas se fazem sejam respondidas de forma convincente, então Erdogan vai ter caminho aberto”, diz o consultor político Selim Sazak, citado pelo Guardian.

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