Moscas e aranhas-caranguejeiras são campeãs da vida nas cidades

Estudo feito na Áustria sobre como a urbanização afecta a abundância e diversidade dos artrópodes, que estão na base da cadeia alimentar de outros animais, como as aves.

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Espécies voadoras como as moscas são mais abundantes nas cidades Adam Gault/GettyImages

Andam à nossa volta, voam sobre as nossas cabeças, debaixo dos nossos pés, escondidos na vegetação e nos artefactos da civilização. Insectos, aranhas e formigas, ou outros artrópodes, passam-nos muitas vezes despercebidos. Nas cidades, tornar-se-ão cada vez mais comuns os artrópodes voadores, com maior capacidade de se deslocarem entre espaços verdes isolados, do que por exemplo as aranhas que tecem teias, diz um novo estudo.

Os artrópodes são animais invertebrados que têm um exosqueleto, um corpo segmentado e apêndices articulados. São um filo extremamente variado, onde se incluem aranhas, insectos, centopeias e caranguejos, por exemplo. “Mostrámos que a urbanização desfavorece os grupos sem asas, em especial os que vivem nas árvores”, disse Marion Chatelain, investigadora pós-doutorada da Universidade de Innsbruck (Áustria) e principal autora do estudo publicado na revista científica Frontiers in Ecology and Evolution, citada num comunicado da revista.

A presença – ou ausência – de determinadas espécies de artrópodes provoca uma cadeia de efeitos que é como um conjunto de peças de dominó a cair. Desde logo, porque ao alterarem-se as populações destes animais – a que muitas vezes chamamos colectivamente e de forma indefinida “bichos” –, mudam as presas disponíveis para as aves que vivem no meio urbano que deles se alimentam.

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Aranha Misumena vatia, do género Thomisidae, uma família que inclui mais de 2100 espécies. GettyImages

“É de esperar que isso tenha consequências no estado nutricional dos predadores, o seu comportamento de caça, sucesso reprodutivo e distribuição no espaço urbano”, disse Marion Chatelain, citada no comunicado.

Nas cidades, as espécies voadoras de artrópodes parecem ter vantagem, concluiu o estudo, que avaliou a riqueza e diversidade de artrópodes em meios urbanos – como parte de um projecto mais vasto que pretende compreender os efeitos da urbanização na disponibilidade de alimentos, dieta e estado nutricional das aves das espécies chapim-real e chapim-azul na região da cidade de Innsbruck.

“Nos meios urbanos, há uma menor probabilidade de encontrar aranhas que tecem teias e colêmbolos [animais de seis patas que têm entre 0,25 a seis milímetros e que vivem escondidos no solo ou superfícies com água, alimentando-se de matéria orgânica em decomposição, fungos e bactérias”, comentou Marion Chatelain, citada no comunicado. “Ao mesmo tempo, são comuns afídios [pulgões e piolhos-das-plantas], bichos-da-conta e moscas”, enumerou.

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As aranhas que fazem teias tornaram-se menos comuns nos meios urbanos do que as que caçam activamente Marion Chatelain

O objectivo da equipa de Marion Chatelain foi perceber como diferentes níveis de urbanização modificam as comunidades de artrópodes. Para isso, recolheram amostras destes animais em 180 locais numa área de 56,5 km2 em torno da cidade de Innsbruck.

Amostras em 180 locais

Em cada um destes sítios, foram recolhidas amostras em três tipos de micro-habitats: no coberto vegetal, na casca das árvores e nos arbustos. Foi avaliado o nível de urbanização num raio de 100, 500 e 1000 metros de cada um dos locais para verificar que impacto esse factor teria no número total de artrópodes (abundância), quantos grupos taxonómicos estavam presentes (riqueza) e quais os artrópodes que estavam presentes. Foi também medida a diversidade, levando em conta os factores abundância e a riqueza.

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Musca domestica, conhecida pelos nomes comuns de mosca-doméstica, mosca-de-casa GettyImages

Os resultados indicam que quanto maior o nível de urbanização, mais insectos da ordem Psocoptera (piolhos-dos-livros) e aranhas-caranguejeiras (da família Thomisidae) se encontravam nos arbustos.

Mas, no coberto vegetal, eram espécies voadoras como as moscas que se tornavam mais abundantes, enquanto algumas aranhas eram mais raras. Os investigadores interpretam isto como existindo uma vantagem para os artrópodes voadores nos meios urbanos, provavelmente porque assim têm mais facilidade em deslocar-se entre espaços verdes isolados.

“A composição da comunidade de artrópodes será melhor explicada por um conjunto de variáveis, em especial a impermeabilização das superfícies”, escrevem os investigadores.

“Os artrópodes são elementos fundamentais de muitas cadeias alimentares e é de esperar que diferenças na sua disponibilidade em meios urbanos tenha efeitos por toda a cadeia, modificando os comportamentos de caça, distribuição e/ou sucesso de espécies num nível mais acima”, diz ainda a equipa.

Por exemplo, os investigadores encontraram uma densidade menor de aranhas que tecem teias do que aquelas que caçam activamente, como as enormes aranhas-caranguejeiras (que são venenosas e caçam as suas presas por emboscada). Esta diferença terá um impacto nos artrópodes que se alimentam de plantas, que se encontraram mais frequentemente nos meios urbanos, explica a equipa.

No entanto, se alguns artrópodes se dão melhor nas cidades do que outros, e se se altera a composição das populações, isso não quer dizer que o número de animais diminua. “Porque alguns grupos prosperam enquanto outros são filtrados dos espaços urbanos, existem pelo menos tantos artrópodes na cidade como no meio rural em volta”, comentou Marion Chatelain, citada no comunicado. “Na verdade, nos arbustos, os piolhos-de-livro e as aranhas-caranguejeiras até são mais abundantes nas cidades”, concluiu.

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