E ao 40.º dia das primeiras execuções, voltou a gritar-se “Morte ao ditador” por todo o Irão

“Vamos lutar, vamos morrer, vamos recuperar o Irão”, gritou-se em vários bairros da capital, Teerão, nas primeiras manifestações organizadas em várias cidades iranianas em semanas.

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O professor e médico Farhad Meysami, antes de sair da prisão de Evin, em Teerão MOHAMMAD MOGHIMI/Reuters

No Irão, é costume homenagear os mortos 40 dias depois da despedida inicial. Na noite de quinta para sexta-feira houve iranianos a marchar nas ruas de dezenas de cidades em protestos simultâneos – os primeiros em semanas. Quiseram lembrar que a revolta não acabou e decidiram fazê-lo em homenagem aos primeiros manifestantes executados pela República Islâmica, Mohsen Shekari e Majid Reza Rahnavard, ambos enforcados, ambos de 23 anos.

“Morte ao ditador” foi o grito mais ouvido em vários bairros da capital, Teerão, e em cidades como Karaj (onde aconteceram as primeiras execuções), Qazvin, Rasht, Arak, Mashad (a principal cidade religiosa depois de Qom), Izeh, Shiraz, Isfahan, Ilam, Rafsanjan, Kermanshah, Sananjad (e outras cidades de maioria curda: Mahabad, Saqqez, Marivan…), Hormozgan ou Avhaz, mostram os vídeos partilhados nas redes sociais por organizações de direitos humanos e activistas iranianos. O ditador é o líder supremo, ayatollah Ali Khamenei, e o que os manifestantes pedem é a queda do regime que acaba de celebrar os 40 anos da Revolução Islâmica.

Em Shiraz, há um vídeo onde se vê uma carrinha das forças do regime a avançar no meio da rua, enquanto se percebe que há pessoas a fugir e se ouve o som do que parecem ser disparos. “Shiraz está em guerra! Todas as ruas estão a arder em fogo e fumo”, diz o activista que gravou as imagens.

Outros vídeos mostram confrontos entre manifestantes e forças de segurança, descreve o site de notícias IranWire. Este jornal (fundado pelo jornalista iraniano-canadiano e activista dos direitos humanos Maziar Bahari) refere ainda o recurso a gás lacrimogéneo para dispersar as multidões em diferentes cidades e localidades, bem como a detenção de algumas pessoas e a presença de forças especiais nas principais praças da capital, sem que isso tenha impedido os protestos.

“Vamos lutar, vamos morrer, vamos recuperar o Irão”, gritou-se. “Este é o ano do sangue, Seyyed Ali [Khamenei] será derrubado”, entoaram também os manifestantes, assim como “Mulher, Vida, Liberdade”, o slogan que se tornou nome da revolução iniciada com a morte de Jina Mahsa Amini, sob custódia da “polícia da moralidade” que a detivera por uso incorrecto do hijab (véu islâmico, obrigatório no Irão).

Amini morreu a 16 de Setembro e as mulheres do Irão começaram a manifestar-se, primeiro tirando os seus hijabs, depois cortando o cabelo, enquanto se lhes juntavam muitos homens. Depois vieram os estudantes universitários e as alunas do secundário – muitas foram detidas, algumas mortas. Nos meses que se seguiram pelo menos 529 pessoas foram mortas nos protestos (números da ONG Human Rights Activists in Iran) e mais de 19.700 foram detidas.

Apesar do anúncio de uma amnistia para “dezenas de milhares” de prisioneiros, incluindo alguns dos que participarem no actual movimento de contestação – se escreverem uma carta a pedir perdão e a prometer não reincidir no “crime”, e desde que não estejam acusados de crimes puníveis com a pena de morte –, o regime continua a deter pessoas e há novos relatos de maus-tratos na cadeia todos os dias.

Em simultâneo, alguns detidos têm mesmo sido libertados, incluindo algumas pessoas conhecidas em todo o mundo (e cujas detenções motivavam mais críticas e apelos internacionais). É o caso dos realizadores Mohammad Rasoulof e Jafar Panahi, já detidos antes da revolta, da académica franco-iraniana Fariba Adelkhah (o ano passado, o Presidente Emmanuel Macron chegou a telefonar ao Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, pedindo a sua libertação) ou do médico, professor e activista Farhad Meysami, que saiu da prisão de Evin uma semana depois da divulgação de fotos em que surgia de ossos salientes, com uma magreza extrema.

Sair à rua no Irão significa correr o risco de ser morto pelas forças de segurança ou detido – e depois arriscar ser executado (para além de Shekari e de Rahnavard, já foram executados mais dois manifestantes, num país que executa dezenas de prisioneiros por mês). E ainda assim, os protestos nunca pararam, mesmo tendo diminuído significativamente de dimensão. Ao mesmo tempo, continuaram os habituais gritos de palavras de ordem à janela quando o sol se põe ou os gestos de desafio, como as mulheres que saem de casa sem hijab.

Enquanto os protestos decresciam de intensidade dentro no Irão, fora do país os iranianos continuaram a organizar grandes manifestações em dezenas de cidades. A próxima está marcada para segunda-feira, em Bruxelas; tal como o protesto de Estrasburgo, a 19 de Janeiro, o objectivo é pressionar a União Europeia a declarar os Guardas da Revolução (um dos pilares do regime) como uma organização terrorista: nesse dia, uma esmagadora maioria do Parlamento Europeu aprovou um texto que pede que sejam incluídos na lista europeia de organizações terroristas e que todos os líderes iranianos, incluindo Khamenei, sejam adicionados à lista de sanções europeias.

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