EUA: relatório denuncia reeducação de crianças ucranianas “coordenada ao mais alto nível do Governo russo”

Estudo financiado pelo Governo dos EUA diz que mais de 6000 menores ucranianos foram enviados para pelo menos 43 campos de reeducação na Federação Russa. Podem estar em causa crimes de guerra.

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Moscovo garante que só está a acolher crianças forçadas a abandonar a Ucrânia por causa da guerra EPA/ROMAN PILIPEY

Um estudo elaborado pela Universidade de Yale, ao abrigo do programa Conflict Observatory, financiado pelo Departamento de Estado norte-americano, acusa o Governo russo de estar a implementar e a coordenar um programa de “reeducação” de menores ucranianos – transferidos dos territórios invadidos da Ucrânia – levado a cabo em dezenas de campos especializados, espalhados por toda a Federação Russa.

Os autores do relatório e do Laboratório de Investigação Humanitária da universidade norte-americana (HRL, na sigla em inglês), identificaram pelo menos 43 instalações, para onde foram “deportadas” mais de 6000 crianças ucranianas, entre os quatro meses e os 17 anos, entre Fevereiro do ano passado e Janeiro deste ano.

O “número verdadeiro” de campos e de menores envolvidos, acrescentam, no entanto, “é, provavelmente, bastante mais elevado”.

Entre as crianças em causa contam-se órfãos, menores que estavam ao abrigo de instituições estatais ucranianas antes da invasão russa, menores cuja custódia era “indeterminada ou incerta” por causa da guerra e até menores com pais vivos ou com um tutor familiar definido.

Algumas destas crianças foram, entretanto, transferidas para famílias de acolhimento russas, diz o estudo.

Quanto à localização dos campos, é praticamente transversal à imensidão do território russo. Há instalações desta natureza em redor do mar Negro, na península ucraniana da Crimeia – anexada pela Rússia em 2014 – e nos arredores de cidades russas como Moscovo, Kazan e Ecaterimburgo. Mas também na Sibéria e no Extremo Oriente.

O relatório diz que o “campo de reeducação” russo mais longínquo está localizado na região de Magadan, junto ao mar de Okhotsk – geograficamente mais perto do território norte-americano (Alasca) que da Ucrânia.

“A transferência ilegal e a deportação de pessoas protegidas é uma grave violação da IV Convenção de Genebra [1949] sobre a protecção de civis e constitui um crime de guerra”, alertou o Departamento de Estado dos EUA, num comunicado divulgado na terça-feira.

Numa mensagem publicada no Telegram, citada pela Reuters, a embaixada da Rússia em Washington D.C. garantiu, no entanto, que Moscovo só aceita “crianças que foram forçadas a fugir da Ucrânia”, por causa da guerra – a que as autoridades russas chamam “operação militar especial”.

Segundo o relatório da Universidade de Yale, “pelo menos 32 (78%) dos campos identificados pelo HRL de Yale parecem implicados em esforços sistemáticos de reeducação, expondo crianças da Ucrânia a educação académica, cultural, patriótica e/ou militar centrada da Rússia”.

O programa, garantem os investigadores, é “coordenado de forma centralizada ao mais alto nível do Governo russo”.

“Múltiplos campos patrocinados pela Federação Russa são promovidos como ‘programas de integração’, com o suposto objectivo de integrar crianças da Ucrânia na visão do Governo russo sobre a cultura, a história e a sociedade nacionais”, explicam.

“O HRL de Yale identificou várias dezenas de figuras federais, regionais e locais directamente envolvidas em operacionalizar e em justificar politicamente o programa. As actividades dos dirigentes implicados na operação incluem coordenação logística (como o transporte das crianças, por exemplo), recolha de fundos, recolha de mantimentos, gestão directa dos campos e promoção do programa dentro da Rússia e nas áreas ocupadas da Ucrânia”, elencam.

De acordo com o relatório, entre estes indivíduos contam-se pelo menos 12 pessoas que ainda não constam da lista de sanções do Governo norte-americano.

Na terça-feira, porém, Ned Price, porta-voz do Departamento de Estado, deu a entender que vão ser tomadas medidas concretas contra essas pessoas: “Estamos sempre à procura de indivíduos que possam ser responsáveis por crimes de guerra e por atrocidades na Ucrânia.”

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