Glauber Rocha, o dragão do cinema brasileiro para (re)ver no Trindade e Nimas

Seis filmes do cineasta brasileiro Glauber Rocha são exibidos em cópias restauradas a partir desta quinta-feira no cinema Trindade, no Porto, e no Nimas, em Lisboa.

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"Barravento", a primeira longa-metragem de Glauber Rocha, rodada quando tinha apenas 22 anos dr
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"Deus e o Diabo na Terra do Sol", de 1964), as “vidas secas” do sertão desolado dr
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Glauber Rocha, ideólogo do Novo Cinema brasileiro dr

Glauber Rocha (1939-1981) teve uma vida curta mas de actividade febril, de forma talvez só comparável ao que sucedeu com Fassbinder. Morreu jovem, com apenas 42 anos, mas filmava desde os 20 anos, e rodou a sua primeira longa-metragem, Barravento, com apenas 22. Deixou perto de uma vintena de títulos, entre curtas e longas-metragens, e uma obra que é uma fascinante tentativa de compreensão do Brasil, de criação e transfiguração de um imaginário cinematográfico brasileiro, de observação crítica da enorme diversidade cultural do Brasil e da história política que enforma essa diversidade e alimenta todos os conflitos latentes.

Rapidamente, depois de Barravento, Glauber tornou-se no principal ponto de referência do que ficou conhecido como o Cinema Novo brasileiro, do qual foi o seu principal ideólogo (Glauber escreveu bastante, foi também crítico e ensaísta). Num célebre manifesto publicado em meados dos anos 60, definiu a condição intrínseca do Cinema Novo, política e culturalmente, como uma “estética da fome” (que é o título do manifesto). Excerto: “Nós compreendemos esta fome que o europeu e o brasileiro na maioria não entendeu. Para o europeu, é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro, é uma vergonha nacional. Ele não come mas tem vergonha de dizer isto; e, sobretudo, não sabe de onde vem esta fome. Sabemos nós – que fizemos estes filmes feios e tristes, estes filmes gritados e desesperados onde nem sempre a razão falou mais alto – que a fome não será curada pelos planejamentos de gabinete e que os remendos do tecnicolor não escondem, mais agravam seus tumores. Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente; e a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência”.

Esta violência, espalhada por “filmes feios e tristes”, e “onde nem sempre a razão falou mais alto”, é o que está em exibição nos seis filmes programados para o Trindade, no Porto e para o Nimas, em Lisboa, agora com cópias restauradas: Barravento (1961), filmado na Bahia natal de Rocha, e os seus pescadores, as origens africanas, as tradições populares, o apelo da cidade como corrupção de um modo de vida; Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), as “vidas secas” do sertão desolado, o cangaço, e uma alegoria político-religiosa, dada num realismo de western (Glauber era cinéfilo e fordiano); Terra em Transe (1967), afrontamento directo aos centros políticos brasileiros e à sua história recente, três anos depois da instauração da ditadura militar, que quis proibir o filme por “manchar a imagem do Brasil”; Antônio das Mortes ou o Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) marca o regresso às paisagens e às personagens de Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas ainda mais violento; O Leão de Sete Cabeças (1970), feito com dinheiros e actores europeus (entre eles, Jean-Pierre Léaud) e bastante aproximável do cinema de vanguarda política que se fazia na Europa, e que associa os combates latino-americanos aos combates africanos contra o colonialismo e o pós-colonialismo; e finalmente A Idade da Terra (1980), derradeiro opus, porventura o mais estilhaçado e o mais revolucionário dos seus filmes, relativamente mal compreendido na época, mas que – por exemplo no trajecto dos seus quatro Cristos que são como cavaleiros do Apocalipse: um Cristo negro, um Cristo índio, um Cristo militar e um Cristo guerrilheiro – contém muitas chaves para unificar o conjunto da obra de Glauber.

Notícia corrigida com referência ao ciclo Glauber Rocha que estará também no cinema Nimas, em Lisboa.

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