Norte em defesa da Linha de Trás-os-Montes até Zamora e Madrid

Conferência em Miranda do Douro abriu as hostilidades para uma guerra que opõe a ligação ferroviária Aveiro – Viseu – Salamanca a Porto – Bragança – Zamora

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Tiago Lopes

Uma linha a sair do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, directa a Amarante, Vila Real, Mirandela, Bragança e Terra de Miranda com ligação a Zamora e daí a Madrid, é a proposta da Associação Vale d’Ouro para o Plano Ferroviário Nacional, mas que neste documento – ainda em fase de discussão pública – só foi considerada entre Caíde e Bragança.

Para sublinhar o seu carácter internacional e evidenciar que esta linha deve ser entendida como uma alternativa à linha Aveiro – Viseu – Salamanca, realizou-se neste sábado uma conferência em Miranda do Douro que contou com autarcas, deputados e académicos, todos eles do Norte do país. Esta reunião teve o alto patrocínio do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

A Linha de Trás-os-Montes já teve uma primeira versão que seguia directamente de Bragança para Zamora, mas um estudo mais aprimorado coloca-a agora a passar pela Terra de Miranda e a cruzar a fronteira num ponto mais próximo daquela cidade espanhola, onde já passa a linha de alta velocidade para Madrid. Um cenário que evita agora os parques naturais do Montesinho e do Douro Internacional, bem como zonas de Rede Natura 2000.

Os autores da proposta chamam-lhe uma linha de alta velocidade de tráfego misto, com velocidades até 250 km/h para passageiros e 120 km/h para mercadorias. A ser construída, colocaria o Porto a 43 minutos de Vila Real, a 1h14 minutos de Bragança e a 2h45 de Madrid. E conseguiria ligar ainda a Invicta a Paris em 9 horas. Nas mercadorias, o estudo diz que este eixo pode servir o centro de gravidade da zona de actividade económica do Litoral do Norte, onde o valor dos bens exportados é de 4,5 mil milhões de euros, um valor idêntico ao da construção da própria linha.

Este estudo já tinha sido elogiado pelo então coordenador do Plano Ferroviário Nacional, e hoje secretário de Estado das Infraestruturas, Frederico Francisco, aquando da sua primeira apresentação, devido à sua robustez técnica e ao traçado muito pormenorizado.

O Presidente da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES), Álvaro Beleza, mostrou-se um fiel defensor desta ligação. Chamou-lhe uma linha “boa para o país”, que completa uma relação “histórica” com Zamora. “Faz todo o sentido [a ligação Porto-Zamora] porque esta linha é, tirando Badajoz, o ponto onde o AVE está mais próximo de Portugal”, afirmou.
“Infelizmente”, Portugal “é muito centralista” e, por essa razão, Álvaro Beleza comprometeu-se em levar uma conferência sobre esta linha até Lisboa, esperando que, nessa altura, “estejam lá televisões da corte do reino”, ao contrário do que aconteceu neste sábado em Miranda do Douro.

O presidente da SEDES mostrou ainda algum desconforto pelo facto de os dirigentes da região Norte não estarem a fazer “voz firme por esta linha”. É que, apesar de um consenso bastante alargado, parece não haver unanimidade no Norte: foi notada a ausência do presidente do CCDR Norte, António Cunha, na conferência mirandesa, e referido que a Assembleia Municipal de Bragança só teve o PSD a votar a favor da Linha de Trás-os-Montes, ao contrário do PS, CDU e Chega que se abstiveram. Do lado de Espanha, não compareceu o presidente da Junta de Castela e Leão, e só o alcaide de Alcanizes veio a terreiro defender esta ligação. “É uma ideia extraordinária”, disse. Mas reconheceu que o peso político de Castela e Leão junto do governo central “é pouco” para forçar uma ligação de 40 quilómetros em alta velocidade entre Zamora e a fronteira portuguesa.

Rio Fernandes, professor catedrático do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pôs o dedo na ferida ao assumir o diferendo entre esta proposta - “que nunca ocorreria a Lisboa fazer” - de ligar o Porto a Trás-os-Montes e Espanha, e a proposta, já antiga, de construir uma linha Aveiro – Viseu – Salamanca.

“Se o caminho-de-ferro passar por aqui [Miranda do Douro], isto não é vantajoso para a região Centro e se passar pelo Centro, não é vantajoso para o Norte”, disse. E como acha impossível que a linha passe pelas duas regiões, conclui que vai haver “uma competição entre os dois territórios”.

Uma competição que foi também assumida pelos dois deputados da Assembleia da República presentes, José Carlos Barbosa (PS) e Paulo Rios de Oliveira (PSD), ambos eleitos pelo círculo do Porto. O primeiro não disfarçou o seu entusiasmo pela defesa desta linha e o segundo também a elogiou e felicitou os quatros engenheiros ligados à Associação Vale d’Ouro que conceberam este projecto. Deu um apoio mais implícito do que explícito, mas alertou que, enquanto deputado da Assembleia da República, tem de ver o que é melhor para o país. Também não teve dúvidas em assumir que há aqui um claro diferendo entre o Norte e o Centro e alertou que a grande discussão vai ser dentro dos próprios partidos entre os deputados de uma e outra região.

*Com Ruben Martins

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