Privatização da TAP ganha por Neeleman e Pedrosa terá sido paga com dinheiro da própria empresa

De acordo com o Eco, a TAP estará a pagar 254 milhões de dólares acima do valor de mercado dos 53 aviões encomendados pelos privados à Airbus, que adiantou a verba para a capitalização da companhia.

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David Neeleman saiu da TAP em Outubro de 2020 com 55 milhões de euros Nuno Ferreira Santos

Terá sido a própria TAP, com capital público, e não o consórcio privado formado por David Neeleman e por Humberto Pedrosa, a Atlantic Gateway, quem suportou o custo da capitalização da companhia no âmbito da privatização, no montante de 226,75 milhões de dólares (211,15 milhões de euros ao câmbio actual), e que constituíram o pilar do negócio. A notícia é avançada esta quarta-feira pelo Eco, que cita uma análise legal preparada para a TAP em Agosto de 2022 pela Serra Lopes, Cortes Martins & Associado, e que faz parte do processo entregue pelo Governo ao Ministério Público, que já anunciou estar a investigar a operação.

De acordo com o Eco, “a estratégia de David Neeleman” foi aplicada a 16 de Junho de 2015, quatro dias depois de o Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho ter escolhido como vencedor o consórcio formado pela DGN Corporation (de Neelman) e pela HPGB (de Pedrosa), que assegurou então 61% do capital.

Nessa data, diz o site de notícias de economia, a DGN assinou um memorando de entendimento com a Airbus, pelo qual pagou quatro milhões de dólares em comissões ao fabricante de aeronaves.

Este negócio implicava, diz o Eco, a desistência por parte da TAP do contrato que estava em vigor para o leasing de 12 aviões A350, e a celebração de um novo para a aquisição de 53 aeronaves. “De acordo com uma apresentação da Atlantic Gateway citada na nota legal, com data de 11 de Agosto, a Airbus iria providenciar créditos de capital à DGN, no valor de 226,75 milhões de dólares, para serem canalizados para a TAP através da Atlantic Gateway”, escreve o Eco.

Os novos contratos, que são depois aprovados pelo conselho fiscal da companhia, presidida por Fernando Pinto, e que passam a ser responsabilidade efectiva da TAP, trazem ainda consigo uma cláusula que obriga ao pagamento de uma taxa no valor de 226,75 milhões de dólares no caso de a empresa portuguesa não cumprir com as compras estipuladas.

Em paralelo, noticia o Eco, que cita uma avaliação pedida pela actual administração da TAP à Airborne Capital, especialista em leasing de aviões, a companhia aérea estará a pagar cerca de 254 milhões de dólares acima do valor de mercado no leasing dos 53 aviões encomendados pelos privados à Airbus.

A este valor, que supera os 226,75 milhões que terão sido avançados pelo fabricante europeu de aeronaves, há que somar mais 190 milhões de euros de benefícios para a Airbus e de perdas para a TAP, valor que a empresa portuguesa teria pago a menos pelo A350 face aos preços de mercado.

Para a sociedade de advogados, citada pelo Eco, “o conjunto de operações e transacções em causa poderá configurar, materialmente, várias irregularidades e ilegalidades susceptíveis e pôr em causa a validade dos contratos oportunamente celebrados”.

Neeleman saiu com 55 milhões

De acordo com a auditoria feita pelo Tribunal de Contas à reprivatização da TAP em 2018, além da capitalização em causa (convertida para euros pelo TdC, à data, no valor de 217,5 milhões), houve apenas aplicação de 10 milhões de euros para a aquisição de acções, a que se juntou outros 120 milhões de euros de obrigações (na altura convertíveis em acções) subscritos pela companhia aérea brasileira Azul de Neeleman, no valor de 90 milhões, e pela empresa estatal portuguesa Parpública, no valor de 30 milhões.

Quando o Estado, através do Governo socialista, reduziu a participação dos privados, chamando a si 50% do capital (em vez de 34%), ficando o consórcio com 45% (5% foram comprados pelos trabalhadores), pagou 2,6 milhões aos privados.

Em Outubro de 2020, quando saiu da TAP incompatibilizado com o então ministro Pedro Nuno Santos, David Neeleman levou consigo 55 milhões de euros, afirmando então o Governo, e a TAP, que esse valor transitava para o Estado através das prestações acessórias. Quanto ao restante, agora calculado em 169 milhões de euros (perfazendo 224 milhões na moeda única), estavam com a holding pessoal de Humberto Pedrosa.

O empresário, dono do grupo Barraqueiro, acabou por sair do capital da TAP em Dezembro de 2021, e ficou sem direito às prestações acessórias em Novembro do ano passado, quando se realizou uma operação de diminuição e aumento de capital da TAP SGPS, agora 100% nas mãos do Estado (tal como a TAP SA).

Em Outubro passado, numa ida ao Parlamento, Pedro Nuno Santos afirmou que actual gestão, liderada por Christine Ourmières-Widener, suspeitou de que a TAP estaria a pagar pelos novos aviões “mais do que os concorrentes” e de que isso tinha levado à elaboração do que disse ser uma auditoria, cujo resultado tinha sido entregue no Ministério Público.

Em reacção, David Neeleman afirmou na altura que os aviões tinham sido “adquiridos a preço de mercado”, e defendeu que houve um “rigoroso e exaustivo escrutínio político e técnico”.

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