Rio de Prata, a cozinha portuguesa de Carla Sousa tem vista para o Tejo

Nos jardins de Braço de Prata abriu-se um rio, mas em forma de restaurante. Eis o Rio de Prata, pela chef Carla Sousa: “sabores portugueses” com uma grande dose de conforto, do bacalhau à garoupa.

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A chef Carla Sousa no Rio de Prata dr

Esta é uma daquelas histórias feitas de uma sucessão de acasos. Bernardo Ventura, de 29 anos, fez o curso de piloto de aviões, mas a chegada da pandemia fê-lo mudar de planos e decidir apostar em algo mais assente na terra. Teve uma primeira experiência a lançar um projecto de restauração. “Isso deu-me o gosto de ter alguma coisa minha”, conta, sentado a uma das mesas do Rio de Prata, o restaurante que abriu há dois meses nos jardins de Braço de Prata, em Lisboa.

Foi também por acaso que um dia o pai passou pela zona e reparou que nos edifícios Prata Riverside Village, projectados pelo arquitecto, e Prémio Pritzker, Renzo Piano, havia espaços comerciais ainda vazios. “Não há ainda nada ali”, disse a Bernardo. “Devias ir lá dar um saltinho.” O filho seguiu o conselho, decidiu arriscar numa zona da cidade onde ainda há pouco comércio mas uma oferta habitacional de luxo, e o resultado é o restaurante onde agora conversamos, inaugurado em Novembro, e que vem juntar-se à Mercearia da Prata, localizada no mesmo bloco, e ao Delta The Coffee House Experience.

Em Abril do ano passado iniciaram-se as obras e, nessa altura, Bernardo pôs o chapéu de mestre-de-obras, envolvendo-se na decoração do espaço (duas salas, um balcão, uma cozinha aberta e duas casas de banho bastante originais), na escolha do mobiliário, no convite ao artista Valentim Quaresma para que desenhasse uma peça especialmente para ali – e lá está ela, uma versão do rio de prata ondulando pelo tecto.

Ovos rotos dr
Os bifes do Rio de Prata dr
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Ovos rotos dr

“Não queria que o espaço interior abafasse a história do lugar”, diz. Afinal, o Tejo está ali fora, à distância de poucos metros, e a ideia é que a paisagem entre pelo restaurante dentro, numa continuidade.

O acaso seguinte aconteceu quando Bernardo obteve o contacto de Carla Sousa, a chef com raízes cabo-verdianas que assumiu a cozinha do Rio de Prata, para a qual trouxe uma experiência adquirida em projectos como o restaurante Sítio, do Valverde Hotel, o Darwin’s da Fundação Champalimaud, ou o Flores no Bairro Alto Hotel.

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Bernardo Ventura, o proprietário dr

Juntos foram construindo a carta, que querem que seja de “sabores portugueses” e com uma grande dose de conforto. Carla irá juntar-se a nós no final, com o sorriso enorme que nunca perde, para nos contar como este era o projecto ideal para ela, “um espaço com quilómetro zero, tudo novo”.

Conta também como cresceu em Portugal, mas sempre em contacto com a cozinha de Cabo Verde e numa família que tinha “uma horta gigante, onde plantavam praticamente tudo”. Por ali andavam “patos, galinhas, perus, ovelhas, cabras, cabritos” e muito cedo aprendeu “a desmanchar e a tratar as carnes, a fazer os enchidos”.

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Rio de Prata dr
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Garoupa com arroz de tomate dr

A irmã, que agora trabalha com ela no Rio de Prata, onde é chef de pastelaria, foi influenciada pela mãe, que gostava de fazer doces. Já Carla, gosta de fazer tudo, mas tem uma especial predilecção por peixe – na carta do Rio de Prata trabalha todos os dias uma receita diferente de bacalhau. E fica muito contente por um dos pratos que mais sai ser a garoupa com arroz de tomate.

A carta está dividida entre as entradas na secção Para Partilhar, onde há, por exemplo, couve-flor assada na lenha e tomate concassé, rolinhos de Primavera em folha de arroz, ovos rotos com duo de batata ou umas óptimas chamuças de pato e laranja caramelizada.

Em seguida, surgem as propostas Do Mar, onde, para além dos já referidos bacalhau e lombo de garoupa, se destaca o atum braseado com xerém e berbigão; Da Terra, com creme de espargos brancos e amêndoa torrada ou legumes assados em lenha. Para os carnívoros, existem os bifes (T-Bone ou tornedó de novilho) ou as propostas Do Campo, as bochechas estufadas com puré de castanhas e maçã, o entrecosto caramelizado ou a coxa de pato confit com polenta.

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Uma das sobremesas da chef pasteleira Ângela Sousa dr

A ideia de Carla é ir testando diferentes pratos, usando para isso as sugestões do dia – se tiverem boa aceitação, entram na carta. Aqui e ali poderá haver algo que remeta para as raízes da chef, mas não se espere que o Rio de Prata se torne um restaurante cabo-verdiano. “Hoje sinto-me mais livre a fazer uma cozinha mais solta”, diz. “Quero chegar a todo o tipo de público e quero que as pessoas não se sintam intimidadas.”

Preocupa-se, além disso, em evitar o desperdício e em oferecer comida equilibrada e saudável. A irmã, Ângela, partilha da mesma motivação – as farófias com crocante de canela, por exemplo, são sem lactose, feitas com leite de coco, e, em geral, as sobremesas têm pouco açúcar. Uma excelente surpresa é a torta yuzu com creme de baunilha, que parece uma tradicional torta de laranja, mas tem todo o sabor do citrino exótico.

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Uma das duas salas do Rio de Prata dr
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