Milhares de professores junto ao Palácio de Belém: “Para os altares há milhões, para nós só há tostões”

Stop vai responder à imposição de serviços mínimos com greve a partir de segunda-feira. Manifestação de professores que terminou em Belém contou com milhares de participantes, mas PSP não dá números.

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A manifestação de professores deste domingo poderá ter juntado 100 mil pessoas Rui Gaudencio
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A manifestação de professores deste domingo poderá ter juntado 100 mil pessoas Rui Gaudencio
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Manifestação de professores terminou no Palácio de Belém Rui Gaudencio
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Manifestação de professores terminou no Palácio de Belém Rui Gaudencio
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A manifestação de professores deste domingo poderá ter juntado 100 mil pessoas Rui Gaudencio
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Manifestação de professores em Lisboa, este domingo Rui Gaudencio

“Para os bancos há milhões, para nós só há tostões.” André Pestana, dirigente do Sindicato de Todos os Profissionais de Educação — Stop, sobe ao palco depois de ter sido recebido no Palácio de Belém pelos consultores para a educação da Casa Civil. Fala dos milhões que o Estado gastou com bancos. E fala de seguida de outros gastos, como os relacionados com a Jornada Mundial da Juventude, prevista para Agosto. “Para os altares há milhões, para nós só há tostões”, grita. A multidão de professores aplaude euforicamente.

“Seja governo ou presidência andam todos a encobrir estas negociatas e quem sofre o prejuízo diariamente somos todos nós e os investimentos nos serviços públicos. Na educação, estamos fartos desta situação”, prossegue. E a multidão, milhares e milhares de professores que se concentram junto ao Palácio de Belém, apoia. “Agora querem impor serviços mínimos. É o desespero", afirma Pestana.

“Há os sindicatos do sistema e há o Stop. É o Stop que está convosco. A resposta imediata que vamos dar aos serviços mínimos, já a partir de segunda-feira, vai ser parar e encerrar as escolas de Norte a Sul do país, em todo o Portugal”, acrescenta sem dar detalhes mas criando ecos na multidão que aplaude em sinal de aprovação.

Rui Gaudencio
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Antes, e sempre muitas vezes interrompido pelos apitos de quem se quer fazer ouvir seja de que forma for, Pestana deixou uma lista de exigências. “Equidade entre os docentes do continente e das ilhas. É inaceitável que haja professores de primeira e de segunda”; “mais profissionais não docentes nas escolas, com melhores salários e carreiras dignas para todos”, um “aumento salarial imediato de 120 euros para todos os profissionais de educação", entre outras.

Num palanque improvisado, frente ao Palácio de Belém, apelou a uma intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa, reciclando o argumento: se neste conflito "o presidente [da República] continuar com uma posição neutral isso não é neutralidade”, diz, citando o antigo bispo da África do Sul e Nobel da Paz Desmond Tutu, quando este disse que “perante uma injustiça a neutralidade é estar do lado do opressor”.

Professores e profissionais da educação foram chegando a Lisboa, ao longo da manhã deste sábado, vindos de 37 cidades de todo o país para participarem na marcha convocada pelo Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (Stop) sete dias antes. Chegaram muito antes da hora marcada para a saída, 14h. E foi pouco antes das 15h que a marcha deu os primeiros passos.

"Quem ensina a voar..."

Meia-hora antes já um bloco compacto de homens e muitas mulheres ocupava duas faixas do mesmo sentido da Avenida 24 de Julho, ao longo de pelo menos 500 metros. A partir daí, foi crescendo, ao ritmo de batidas de tambores de vários tipos, pandeiretas, apitos, buzinas e vuvuzelas, a sobreporem-se às palavras de ordem e às mensagens nos milhares de cartazes que se erguem na coluna de gente a perder de vista: "Quem ensina a voar não pode rastejar" ou "A lutar também estamos a ensinar".

A meio da tarde, o Stop já falava em 100 mil participantes. Contactado telefonicamente pelo PÚBLICO, fonte do comando metropolitano da PSP fez saber que não contava fornecer dados sobre quantas pessoas estão no protesto. Mais tarde, Nuno Carocha, porta-voz da direcção nacional da PSP confirmou: "Não apresentamos estimativas de participação em manifestações."

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André Pestana, dirigente do sindicato Stop Rui Gaudencio

O protesto dos docentes deste sábado voltou a ser um mar de gente. “Isto que estamos aqui a ver vai muito para além das questões políticas e sindicais”, diz Nuno Távora, de 54 anos, professor de Educação Física no Agrupamento de Escolas José Maria dos Santos no Pinhal Novo, Setúbal. “O Stop apanhou o comboio. Os outros sindicatos perante a situação da recuperação do tempo de serviço ficaram mudos. Eu próprio sou do Sindep mas participo em qualquer marcha a favor de melhores condições e também em nome das novas gerações de alunos que querem ser professores.”

"Eu estou aqui não só por mim, porque já sou professor há muitos anos, mas por aqueles que querem ingressar nesta profissão", acrescenta. "A escola está a perder profissionais, constantemente", diz, enfatizando o quanto isso o preocupa. "Há pessoas que mudam de carreira e desistem mesmo. Também porque a perspectiva é para no futuro se tornar ainda pior", acrescenta, dizendo que, por isso, este é também um momento decisivo "para o ensino".

Quem se manifesta são sobretudo professores. Em menor escala, estão também representados técnicos superiores, psicólogos, terapeutas da fala, assistentes operacionais.

"Isto é uma verdadeira democracia, podermos manifestarmo-nos por melhores condições, mas ninguém nos está a ouvir. E esse é o problema", diz Carla Carvalho, professora da Escola Secundária de Pedrouços, na Maia. "A motivação aumentou desde a última manifestação porque as negociações não estão a correr bem", acrescenta elevando o nível da voz para conseguir fazer-se ouvir.

Ainda antes de a marcha começar, o alarido cerca a esquina do Ministério da Educação onde, há duas semanas, o ministro João Costa pôs em dúvida a legalidade das greves ao primeiro tempo, decretadas pelo Sindicato Independente dos Professores e Educadores, dizendo aguardar um parecer da Procuradoria-Geral da República, e onde ainda ontem, sexta-feira, anunciou o veredicto do colégio arbitral a favor da fixação de serviços mínimos para a greve convocada pelo Stop (que pode ser feita a qualquer hora) de modo a garantir que as escolas ficam abertas e as refeições são distribuídas aos mais carenciados.

"Não paramos, não paramos"

​De Portimão a Bragança, os manifestantes saíram de manhã de autocarro, rumo à capital, para participarem num protesto que, como disse o líder do Stop, André Pestana, visava “unir simbolicamente o Ministério da Educação, na Avenida Infante Santo, ao Palácio de Belém”. O dirigente apelou a profissionais de outros sectores, da Cultura, Saúde, tribunais ou polícias, para se juntarem à manifestação, mas foram os profissionais da escola que estiveram em luta neste dia.

“Um, dois, três, já cá estamos outra vez”, grita um grupo, entre o rufar dos tambores e a estridência de gaitas e apitos. Alguns carros que passam, buzinam em sinal de apoio.

Entre os participantes, uns empunham cartazes do Stop, outros apenas a sua mensagem. Há faixas e bandeiras especialmente feitas para o protesto com as palavras de ordem que também se vêem em folhas A4 dentro de micas em cartazes improvisados. Há bandeiras de Portugal e lenços brancos são agitados enquanto se ouve “não paramos, não paramos”, ao som bem alto de pandeiretas aqui e acolá.

Cumprir serviços mínimos

As inscrições para a deslocação nos autocarros dos organizadores, que encheram vários acessos a Alcântara, estiveram disponíveis até quarta-feira ao fim do dia, no site do Stop. Ontem, sexta-feira, o Ministério da Educação anunciou a decisão do Colégio Arbitral sobre a greve nas escolas: professores e pessoal não docente serão obrigados a cumprir serviços mínimos, o que para a Fenprof, liderada por Mário Nogueira, “pode pôr em causa o direito à greve”.

"Querem obrigar os profissionais a ter as escolas abertas, mas não nos podem obrigar a dar aulas. Mas a escola não funciona sem aulas", sentencia Sandra Costa, professora da mesma escola da Maia que acompanha Carla Carvalho e Paula Borges. "Estão a fazer da escola um depósito", acrescenta esta última.

Neste grupo de colegas da mesma escola, veio também a psicóloga Sara Barroca que, enquanto técnica superior, ganha 980 euros, dos quais tira uma verba para se deslocar de Paredes a Amares onde está colocada. "São 80 quilómetros todos os dias. É impraticável", diz.

Cada um sente a luta pelo seu lado, sintetiza Carla Carvalho sobre o protesto a que cada manifestante tenta dar voz neste "movimento em defesa da escola pública", como se lê em vários cartazes. Para Sara Barroca "é a mobilidade" e o facto de não poder concorrer a essa mobilidade. Para Paula Borges e outros professores da Maia, "é o problema da contagem de tempo de serviço e o acesso ao 5.º e 7.º escalões.

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Também José Coelho, informático e pai de um rapaz de seis anos, já frente ao Palácio de Belém, no final da marcha, diz por que está aqui: "Estou aqui a representar os encarregados de educação e pelo meu filho." O rapaz esteve dois dias sem aulas, devido a greves, mas o discurso de José Coelho vai além disso: "Foi prejudicado, mas se é para ir para a escola é para aprender, para ter formação. O meu filho vai ter pelo menos 18 anos de escola, de formação, e eu quero que sejam 18 anos de qualidade para ele."

Do seu futuro e dos que virão fala também Margarida Romero, aluna do 6.º ano em Alfornelos. A mãe é professora de Biologia-Geologia e, desde que as duas deixaram Chaves há quatro anos, já leccionou no secundário e do 3.º ciclo do básico em Aljustrel e Castro Verde antes de ser colocada na Amadora, onde a filha Margarida teve mais uma vez de adaptar. "Preocupa-me a escola", diz Margarida que descreve o frio na sala de aula e os tectos falsos que caíram no ano passado, e "a escola degradada" onde algumas janelas são de plástico. "Se a escola não for no futuro uma boa profissão, os meus filhos não terão professores", acrescenta, ao mesmo tempo que, em fundo, se ouve alto e bom som: "Marcelo, escuta, a escola está em luta."

Numa nota publicada na página oficial, a Presidência da República faz saber que “o Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (Stop) foi hoje recebido por consultores da Casa Civil”. E adianta que “a organização sindical apresentou as suas perspectivas sobre a situação profissional de docentes, técnicos especializados, técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais, tendo entregado informação para ser transmitida ao Presidente da República”.

Na rua e nas greves

Esta é a segunda marcha em menos de um mês. No dia 14 de Janeiro, a maior manifestação de profissionais das escolas dos últimos anos juntou entre 30 e 40 mil que desfilaram entre o Marquês de Pombal e o Terreiro do Paço, segundo estimativas da PSP. Os organizadores apresentaram uma outra estimativa, de mais de 100 mil participantes – entre pessoas sindicalizadas ou não.

Entre uma e outra manifestação, o Stop desafiou o Presidente da República a pronunciar-se sobre "a degradação da escola pública" e “o atentado ao direito à greve”, nas palavras de André Pestana na segunda-feira. No mesmo dia, foi publicada uma petição online de apelo à intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa. “Se nos ouvir e agir, talvez esse seja um dos momentos históricos da sua Presidência”, escrevem os peticionários.

Quatro dias depois, Marcelo recusou vir a ter papel de mediador ou intermediário neste diferendo. “[O PR] Deve evitar essa posição porque não pode ultrapassar o papel constitucional. Ultrapassar o papel constitucional pode significar o presidencializar um sistema de governo que funciona de acordo com certas regras”, afirmou Marcelo na quinta-feira, dia em que os representantes da Fenprof, Federação Nacional da Educação (FNE) e sete outros sindicatos foram recebidos em Belém pela conselheira do Presidente para a Educação, a ex-ministra Isabel Alçada.

Desde Dezembro que se sucedem as greves nas escolas. O clima de guerra instalou-se com o início da negociação da revisão do processo de recrutamento de docentes. Conceição Rodrigues é professora na zona de Lisboa mas diz que vem de longe "nesta luta". Como resumir em duas frases o que a move? Basta-lhe uma palavra: "Respeito."

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