Oh, mofo! Porque há tanta humidade nas casas este Inverno?

Como reduzir a humidade em espaços interiores? Como evitar o mofo? Falámos com especialistas e reunimos respostas para um problema que escurece paredes, mancha tecidos e prejudica a saúde humana.

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É o aumento da chuva que põe a nu problemas que já existiam Clay LeConey/UNSPLASH

Muita chuva, habitações frias e superfícies com mofo. Esta descrição aplica-se, com maior ou menor gravidade, a muitas das casas portuguesas durante o Inverno. O PÚBLICO falou com vários especialistas para reunir respostas para este problema que escurece paredes, mancha tecidos e prejudica a saúde humana.

Porque há tanta humidade nas habitações?

“A elevada humidade nas nossas casas deve-se à alta pluviosidade que se tem registado. Se a humidade do ar é muito elevada no exterior, só conseguiremos reduzi-la dentro das nossas casas recorrendo ao aquecimento do ar ou à utilização de sistemas de desumidificação”, explica ao PÚBLICO a investigadora Manuela Cano, responsável pelo Laboratório de Qualidade do Ar do Departamento de Saúde Ambiental do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA).

Em 13 de Dezembro de 2022, por exemplo, Lisboa testemunhou o dia de Dezembro mais chuvoso de sempre. Esse mês foi, de resto, um mês muito chuvoso”, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA): esta entidade contabilizou um valor total de precipitação de 250,4 milímetros, o que equivale a 174% do valor da norma climatológica (valores médios no período de 1971 a 2000) – e o segundo mais alto desde há 22 anos.

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Anomalias da quantidade de precipitação, no mês de Dezembro de 2022, em Portugal continental, em relação aos valores médios no período 1971-2000 IPMA/DR

A culpa é então da chuva?

“Os problemas de humidade que existem hoje nos edifícios devem-se a erros de concepção, construção e utilização. Claro está que, se nós tivermos um longo período completamente seco, com menores níveis de pluviosidade, vamos ter menor humidade na atmosfera e a probabilidade de entrar essa mesma humidade nos edifícios é menor”, explica Ricardo Mateus, professor do Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho e director do Laboratório de Física e Tecnologia das Construções (eco.lab).

Por outras palavras, o problema de fundo não é a chuva, refere o engenheiro. Contudo, é o aumento da pluviosidade que põe a nu problemas que já existiam. Havendo questões de concepção ou execução das habitações, estas falhas têm de ser resolvidas e podem implicar obras e um investimento considerável. Caso contrário, vão favorecer a ocorrência de fenómenos de condensação e a formação de mofo e bolor.

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Caso se observem sinais de crescimento de fungos, é importante descontaminar as zonas afectadas recorrendo a produtos antifúngicos Getty

O que é condensação?

Trata-se de gotículas que se formam no vidro das janelas, nas caixilharias e até nas paredes. Como o ar frio apresenta menor capacidade de retenção de água, as temperaturas baixas favorecem a ocorrência do fenómeno de condensação nas superfícies frias. ​

“Este fenómeno regista-se quando o ar húmido é arrefecido a uma temperatura inferior ao ponto de orvalho. A humidade contida no ar (vapor de água) condensa-se (passa ao estado líquido) sobre a superfície fria (que se encontra abaixo da temperatura do ponto de orvalho)”, explica um artigo da revista Deco Proteste.

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Como o ar frio apresenta menor capacidade de retenção de água, as temperaturas baixas favorecem a ocorrência do fenómeno de condensação nas superfícies frias Getty

O que causa a condensação nos vidros?

“Este ano, temos uma massa de ar lá fora que está mais húmida, por conseguinte o ar interior também pode estar mais húmido, favorecendo fenómenos de condensação. Isto relacionado com três aspectos:​ isolamento, aquecimento e utilização do edifício”, resume ​o engenheiro Ricardo Mateus. É à volta destes três factores que gravitam muitas das respostas seguintes.

Comecemos pelo isolamento. Quando há “um fraco isolamento da envolvência”, há mais oportunidades de trocas térmicas. O vapor de água que está no ar condensa quando está em contacto com uma superfície fria. “Podemos dar aqui um bom exemplo: as caixilharias que, de manhã, estão todas cheias de condensação. Isto acontece porque muitas caixilharias não têm corte térmico. Uma forma de resolver esta situação é trocar a caixilharia”, diz o arquitecto e investigador Jorge Fernandes.

A questão do aquecimento é abordada na próxima resposta, ao passo que a da utilização está tratada na caixa abaixo.

Casas frias tendem a ser mais húmidas?

Existe, de facto, uma relação entre frio e humidade. Como o ar frio apresenta menor capacidade de retenção de água, as temperaturas baixas favorecem a ocorrência do fenómeno de condensação nas superfícies frias como vidros e caixilharias.

“Nós sentimos que, se sairmos durante o fim-de-semana e não for ligado o aquecimento, ao voltar, a roupa de cama parece estar húmida. Isto acontece porque, quando aquecemos o edifício, nós reduzimos a humidade relativa do ar e probabilidade de condensações, sublinha o engenheiro Ricardo Mateus.

Estamos a aquecer menos as casas?

É provável que sim. Aquecer as moradias ficou mais caro em 2022, agravando um cenário de pobreza energética que já existia em Portugal. O preço da energia disparou com a invasão da Ucrânia pela Rússia, em Fevereiro de 2022, trazendo as consequências da dependência energética europeia para o quotidiano das famílias. Se há maior humidade relativa do ar nos espaços interiores e, paralelamente, aquecemos menos as nossas casas, oferecemos condições mais favoráveis para a condensação.

“A questão da pobreza energética pode estar relacionada com humidade. As pessoas vivem em casas frias e desconfortáveis em Portugal. Se o aquecimento estiver sempre ligado, o risco de humidade é bem menor”, afirma Aline Guerreiro, arquitecta do Portal da Construção Sustentável.

Qual é o nível ideal de humidade relativa?

“[O valor ideal pode oscilar] entre 30 e 70 por cento. Perto dos 70, materiais como o couro começam a ficar danificados. Há surgimento de bolores nas zonas da casa que não são muito ventiladas, como os cantos e atrás dos armários, das portas e cortinas. E temos maior probabilidade de ocorrência de condensação”, refere Sandra Silva, professora do Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho.

O arquitecto Jorge Fernandes, investigador no mesmo departamento, recorda que parte dos desumidificadores “já vêm regulados e apontam para os 60% como nível adequado”, mas é aceitável até aos 70%. “Se lá fora estiver 90% de humidade relativa do ar, não faz muito sentido ter a máquina ligada até ir aos 50%. Estamos a gastar muita energia, quando nos 60 e nos 70% está bem”, refere.

Como medir a humidade?

A humidade relativa do ar pode ser medida com um higrómetro, um aparelho que pode custar entre 15 e 35 euros em lojas de electrodomésticos. Os desumidificadores também costumam indicar esse valor no painel de controlo.

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É importante medir a humidade dentro de casa e arejar os espaços interiores Unsplash

Como evitar o mofo e o bolor?

A prevenção é a melhor estratégia: controlar os níveis de humidade recorrendo às estratégias possíveis, seja arejando a casa e usando o desumidificador, seja evitando que se acumulem os vapores resultantes da actividade doméstica (ferro a vapor, preparo de refeições, duches etc.) e da própria respiração humana. Ter uma casa com aquecimento adequado e regular também ajuda no combate à proliferação de fungos.

“A elevada humidade do ar no interior origina a absorção de água por parte dos materiais higroscópicos que, se contiverem fontes de carbono orgânico, potenciarão o crescimento e desenvolvimento de fungos potencialmente patogénicos, alergénicos e produtores de toxinas. Se conseguirmos remover a humidade desses materiais estaremos a impedir o crescimento de fungos nocivos para a saúde”, afirma Manuela Cano, investigadora do INSA.

O mofo e o bolor fazem mal à saúde?

Sim. Caso se observem sinais de crescimento de fungos, é importante “descontaminar as zonas afectadas recorrendo a produtos antifúngicos”, sublinha a responsável pelo Laboratório de Qualidade do Ar do INSA.

“O cheiro a ‘mofo’ é um indicador da presença de fungos que podem não estar visíveis. Neste caso, há que procurar e descontaminar todas as superfícies afectadas. Recomenda-se que a descontaminação seja feita seguindo todas as recomendações indicadas nos rótulos dos produtos a utilizar, e que os espaços sejam arejados posteriormente, antes da sua ocupação, tendo particular cuidado com populações mais susceptíveis”, recomenda Manuela Cano, referindo-se a crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios.

E quem não consegue arejar a casa?

Pessoas que passam longos períodos fora de casa, seja por motivos de viagem ou longos turnos laborais, têm maior dificuldade em criar uma rotina de arejamento. “Quando as pessoas chegam a casa já de noite, não lhes apetece estar a ventilar as divisões, porque já está muito frio. É compreensível, mas isso aos poucos só vai agravando o problema”, alerta o engenheiro Ricardo Mateus.

“Mesmo que sejam 15 minutos durante o dia já seria positivo. É uma forma de renovar o ar e fazer baixar um pouco a humidade relativa do ar”, acrescenta o arquitecto Jorge Fernandes.

Novas construções já possuem uma solução que permite um arejamento constante através de um ventilador mecânico eficiente. “Já se começa a introduzir nos projectos sistemas de ventilação mecânica com recuperação de calor. Para que não haja perdas de calor durante a ventilação, há um aproveitamento do calor do ar que está a sair para preaquecer o ar que entra no edifício”, descreve o engenheiro.

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