Pais, façam birras!

Se não pintarmos os nossos quadros também com as [cores] escuras, vamos gastar as “boas”, e a certa altura só produzimos desenhos escuros, “agressivos” e “feios”.

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"Junto-me com entusiasmo a quatro das tuas birras" @designer.sandraf

Querida Mãe,

Bom Ano!!! Ontem deu-me uma febre gigante de arrumação e passei o dia a deitar coisas fora, a sentir-me absolutamente culpada pela pegada ecológica provocada pela quantidade de porcarias que acumulamos, e a arrumar as que ficaram. E foi enquanto testava todas as canetas de feltro para ver se funcionavam que fui abençoada com uma revelação. Mãe, tem muita sorte porque vou partilhá-la consigo!

Ou seja, reparei que todas as cores que consideramos mais “bonitas” e “coloridas” estavam gastas. Só restavam as cores que “nunca ninguém quer usar”, ou seja, as mais escuras, mais tristes.

Ora, pensei, é exactamente o que fazemos com as emoções — achamos que só devemos apresentar as nossas cores mais atraentes, como a simpatia, a alegria, a calma, etc., etc., que inconscientemente rotulamos de “boas”. O pior é que se não pintarmos os nossos quadros também com as escuras, vamos gastar as “boas”, e a certa altura só produzimos desenhos escuros, “agressivos” e “feios”.

Consegui explicar-me? Estamos convencidos de que há cores certas e cores erradas, preocupamo-nos se os outros vão gostar mais de uma certa mistura de tintas do que de outras, mas na verdade precisamos de todas! Dentro desse espírito, está pronta para novas birras, bem negras?

Pois é, este ano fiz uma resolução de birras que vou continuar a fazer em 2023! Espero que alinhe comigo em todas, incluindo as que envolvem os avós! Estou farta de resoluções para tentar ser melhor, mais magra, mais simpática, mais querida, mais boazinha. Eu avisei, que ia ser o grinch do Ano Novo!

#1 BIRRA AOS TPC’s
Tento não roubar tempo à escola, não roubem tempo ao meu tempo em família. Estuda-se na escola, e Deus sabe que já lá passam tempo suficiente, e descansam e brincam em casa.

#2 BIRRA AO EXCESSO
Eu sei que os avós não fazem por mal. Presentes, gomas, chocolates, tudo é óptimo, mas numa quantidade razoável, e não nos chamem por isso de complicadinhos. O mundo está cheio de excesso, temos de ajudar os nossos filhos a navegar com moderação o mundo de todas as possibilidades.

#3 BIRRA AOS PALPITES PARENTAIS
Cada uma faz à sua maneira, não tentemos pregar a nossa forma de “parentalidade” a ninguém.

#4 BIRRA AOS EXTREMISTAS
Vamos parar de imaginar que a vida é a preto e branco, de partilhar nas redes sociais notícias e afirmações sem tentar perceber se são verdadeiras ou falsas. Vamos deixar de ter medo de nos apresentarmos como “moderados”, que insistem em ouvir os dois lados, mesmo que isso nos custe alguns “dislikes

#5 BIRRA À GUERRA
Vamos continuar a fazer birras contra as guerras, empenhando-nos ajudar as vítimas, trabalhando pela paz, esforço que começa em casa.

A mãe subscreve as minhas birras?


Bom Ano Novo, querida filha,

E obrigada pela tua visão: 'bora lá usar todas as cores, mesmo as mais escuras, pintando as nossas Birras como elas realmente são.

Junto-me com entusiasmo a quatro das tuas birras, mas não subscrevo uma delas, evidentemente. Fazes uma birra contra os palpites parentais, e eu faço outra a favor dos avós poderem dar a sua opinião sobre o “modelo” que os nossos queridos filhos adoptam com os nossos adorados netos.

Ah, pois é. Os pais fazem downloads das mais variadas aplicações de parentalidade, entregando os nossos meninos aos bitaites de pseudo-especialistas que garantem resolver todos os problemas em dez dias, se obedientemente seguirem as suas instruções, alimentam-nos e vestem-nos conforme os ditames de influencers que ganham à vossa custa, e não querem dar ouvidos aos queridos paizinhos? Gente idónea e que tem o supremo interesse dos vossos filhos em primeiro lugar, para além de os conhecer pessoalmente, e de terem um currículo impecável, nomeadamente a criar criaturas como vocês? Era o que faltava.

Ouves os meus risinhos maquiavélicos? Vá lá, afia o bico às canetas para me responderes à letra. Fico à espera.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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