Sem o travão de La Niña, 2023 pode pisar no acelerador da temperatura

Previsões do Met Office britânico dizem que 2023 poderá vir a ser um dos anos mais quentes desde que há registos. Isto porque termina um ciclo do fenómeno La Niña.

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Seca na Somália: o aumento da temperatura global agrava fenómenos meteorológicos extremos, como secas Stuart Price/African Union-United Nations Information Support Team/REUTERS

O ano de 2023 poderá ser um dos mais quentes desde que há registo, segundo as previsões de Met Office, a agência meteorológica britânica. A temperatura média global poderá ser entre 1,08 e 1,32 graus Celsius acima dos valores registados antes da Revolução Industrial. Isto porque o fenómeno La Niña, que tem vigorado nos últimos anos, está a extinguir-se.

“A La Ninã faz diminuir a temperatura média global. E a temperatura média global nos últimos três anos foi influenciada pelos efeitos da La Niña prolongada – fenómeno cíclico que faz descer a temperatura das águas superficiais do oceano Pacífico tropical”, disse Nick Dunstone, que liderou a equipa do Met Office que fez as previsões para 2023, citado num comunicado de imprensa.

A La Niña é a contraparte fria do fenómeno que produz o El Niño. Ventos fortes levam as águas da superfície em direcção à Ásia, permitindo que água fria em profundidade suba até à superfície. Produz os efeitos meteorológicos e climáticos opostos aos do El Niño por todo o mundo.

“O que o nosso modelo climático permite prever para 2023 é o fim destes três anos consecutivos de La Niña e o regresso a condições relativamente mais quentes em algumas zonas do Pacífico tropical. É provável que esta mudança faça com que a temperatura em 2023 seja mais elevada do que em 2022”, explicou ainda Nick Dunstone.

“No próximo ano, o efeito de travão das temperaturas da La Niña vai evaporar. Vai haver uma espécie de pressão no acelerador em 2023 e nos seguintes, a que se juntam mais episódios meteorológicos extremos, como secas ou chuvas intensas, até termos em vigor políticas que nos permitam atingir a neutralidade carbónica”, afirmou à BBC News Richard Allan, climatólogo da Universidade de Reading (Reino Unido).

Se a temperatura média global em 2023 for 1,32 graus Celsius superior aos valores pré-Revolução Industrial, será uma aproximação que nos fará caminhar a passos largos para o limite de 1,5 graus que o Acordo de Paris diz que não devemos ultrapassar. Isto porque a partir de um aquecimento global de 1,5 graus, muitos dos efeitos climáticos tornam-se perigosos e alguns possivelmente irreversíveis.

Este ano já foi bastante quente. Dados de Janeiro a Outubro de 2022 apontam para que a temperatura média global este ano tenha sido cerca de 1,16 graus Celsius mais elevada do que a anterior à Revolução Industrial, diz o Met Office. Em 2022, houve secas devastadoras em grandes extensões do mundo, incluindo a Europa e Portugal, e muitos locais atingiram recordes de temperatura – a Índia e o Paquistão chegaram a 51 graus Celsius em Maio.

A falta do El Niño

Tudo indica que 2023 será o décimo ano seguido em que a temperatura média global ficará pelo menos um grau acima dos valores anteriores a industrialização, quando os seres humanos começaram a lançar grandes quantidades de gases com efeito de estufa para a atmosfera, sobretudo dióxido de carbono.

Na verdade, 2023 não tem todas as condições para ser um ano de quebrar recordes. “Sem que tenha existido um El Niño nos anos precedentes a fazer subir a temperatura global, 2023 pode não bater recordes de temperatura. No entanto, as emissões de gases com efeito de estufa continuam em movimento ascendente, pelo que é provável que o ano que vem seja mais um ano notável nesta série de anos quentes”, explicou Adam Scaife, responsável pelo departamento de Previsões a Longo Prazo do Met Office, citado no comunicado de imprensa.

“Até agora, o ano mais quente foi 2016 desde que são feitos registos (1850)”, disse Scaife. Mas 2016 era um ano de El Niño, em que a subida da temperatura global foi ajudada pelas águas superficiais mais quentes em algumas zonas do Pacífico tropical.

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