A seca na Europa está a caminho de ser a pior dos últimos 500 anos

A seca e as temperaturas elevadas deverão continuar até Novembro na Península Ibérica. Uma conferência no âmbito da Semana Mundial da Água está a debater a seca na Europa, que terá cada vez mais episódios de seca e de ondas de calor.

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Barragem de Vilar-Tabuaço, no rio Távora, em Fevereiro de 2022 Miguel Manso

A seca que está a assolar o continente europeu (e não só) deverá tornar-se a seca mais grave dos últimos 500 anos. “Esta seca parece ser pior do que a de 2018, que era a pior desde o ano 1500”, diz o investigador Andrea Toreti, numa resposta dada por email ao PÚBLICO. “A seca deste ano é mais intensa, persistente e afecta uma área muito maior” do que a de 2018, explica o cientista do Centro de Investigação Comum (JRC, na sigla em inglês) da União Europeia.

O cenário não é favorável e não se espera que a seca fique por aqui: “Em algumas zonas da Península Ibérica, esperam-se condições mais secas do que o normal para os próximos três meses.” Ainda assim, o investigador da Comissão Europeia acautela que a comparação deste ano ainda está em curso e que serão recolhidos mais dados.

Os cientistas europeus alertam que “a seca actual parece ser mais grave do que a de 2018 e, logo, a mais grave dos últimos 500 anos”. O ano de 1500 foi o ponto de partida de um estudo em que foi feita a reconstituição do paleoclima – o clima predominante de uma determinada altura do passado geológico, calculado através de modelos climáticos e registos naturais, como os anéis das árvores ou sedimentos em lagos – pelo Centro de Investigação Comum da União Europeia.

Essa análise foi feita para a seca de 2018, que foi “a pior até 2022”, refere Andrea Toreti. Nesta análise, os cientistas descobriram também que a seca do ano de 1540 foi quase tão “severa” como a de 2018 – além disso, as secas desta magnitude poderão tornar-se um “acontecimento comum” já a partir do ano de 2043.

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Seca no rio Loire, em França STEPHANE MAHE/REUTERS

Seca “ainda não chegou ao fim”

A seca na Europa é um dos temas debatidos numa conferência da Semana Mundial da Água (World Water Week 2022), que começou esta terça-feira e dura até 1 de Setembro. “Esta é certamente uma das piores secas e ainda não chegou ao fim”, resume ao PÚBLICO o cientista climático Valentin Aich, um dos oradores desta conferência.

A conferência hídrica será também híbrida: metade decorrerá em formato digital e outra metade de forma presencial, em Estocolmo, na Suécia. O programa junta cientistas, investigadores e decisores políticos para falar sobre a água e sobre os desafios em torno dela, como a seca e outras facetas das alterações climáticas. “Vamos falar sobre a situação actual e sobre como a podemos melhorar”, sintetiza Valentin Aich, do Global Water Partnership (GWP).

“Temos de mudar a forma como a nossa energia é produzida, temos de mudar a forma como as nossas economias funcionam, a forma como entendemos os transportes, como produzimos a nossa comida, como passamos as férias”, alerta. “As pessoas não estão a usar água como deveriam estar a usá-la, estão a sobreexplorar os recursos”, diz por videochamada Valentin Aich, que é também investigador no Instituto de Investigação sobre o Impacto Climático de Potsdam, na Alemanha. “Há muitas mudanças necessárias.”

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O investigador Valentin Aich DR

Para o futuro, é preciso olhar para três pilares, defende Aich: há que monitorizar e prever os efeitos da seca; há que fazer uma avaliação de risco e das vulnerabilidades para saber “como é que a seca afecta realmente os diferentes sectores”; e, em terceiro lugar, é preciso saber como nos podemos preparar para situações de seca. “Não devemos só poupar água quando temos a seca à porta, como estamos a fazer agora, mas pensar realmente nisto a longo prazo e sermos proactivos em relação a isso.”

Uma Europa mais seca

As secas são uma das consequências mais fatais das alterações climáticas. Um relatório das Nações Unidas publicado em Maio mostra que as secas causaram cerca de 650 mil mortes de 1970 a 2019; a maior parte destas mortes aconteceu em países em vias de desenvolvimento e África é o continente onde mais se sofre com a seca. Por ano, a seca afecta mais de 55 milhões de pessoas (incluindo a agricultura e a produção de gado). O mesmo relatório indica que a frequência e duração da seca aumentaram em 29% nos últimos 20 anos. Até 2050, mais de seis mil milhões de pessoas poderão sofrer com a escassez de água.

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A seca na Somália deixa milhares de crianças em risco Unicef

A Europa tem sido fustigada pela seca este ano. Um relatório da Comissão Europeia relativo à seca na Europa em Agosto revela que esta sequidão está relacionada com “uma falta de precipitação ampla e persistente, combinada com uma sequência de ondas de calor desde Maio”. O documento tem por base os dados e análises do Observatório Europeu da Seca.

A falta de precipitação levou a que muitos rios ficassem com pouca água ou secassem pelo continente europeu. Um exemplo é o do rio Danúbio: há quase um século que não tinha tão pouca água como agora e isso fez com que ficassem a descoberto cascos de dezenas de embarcações nazis de guerra junto à vila sérvia de Prahovo. A situação de seca no Danúbio deverá ainda dificultar o comércio de cereais.

Também o rio Reno corre o risco de ficar praticamente intransitável, o que impede o transporte de cargas de diesel e de carvão. O rio está mais baixo do que estava nesta altura do ano em 2018 e um economista refere que tal deverá ter um impacto financeiro superior aos cinco mil milhões de euros provocados pela seca de 2018.

A chuva dos últimos dias em algumas zonas da Europa ajudou a aliviar a situação, que em alguns casos serviu para “estabilizar e até reverter a tendência de agravamento de Agosto”, diz Andrea Toreti. Até Novembro deste ano, “é provável que haja condições mais quentes e mais secas do que o normal na região ocidental euro-mediterrânica”, afirma. Valentin Aich concorda: “É uma situação excepcional. A chuva que vamos tendo alivia, mas não é suficiente.”

Portugal está na lista dos países europeus mais afectados. “Na União Europeia, tem sido observado um claro défice de precipitação nos últimos três meses, sobretudo em Portugal, Espanha, Sul de França, Alemanha central e de Leste, Itália central, Leste da Hungria e na parte ocidental da Roménia”, escreve Andrea Toreti numa resposta por email.

Além da seca, uma das mais graves dos últimos 90 anos, Portugal é também um dos países europeus mais afectados por eventos climáticos extremos nos últimos 40 anos, em termos de mortes prematuras e perdas económicas, segundo um relatório divulgado pela Agência Europeia do Ambiente (AEA) em Fevereiro.

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