Uma prenda para a mãe natureza: cinco dicas para um Natal mais sustentável

Todos os anos, a quadra festiva em Portugal faz com que se produzam mais 24% de resíduos, estima a Quercus. Mas, após a correria de Natal, há formas de evitar a correria ao lixo.

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Estima-se que 12 milhões de rolos de papel de embrulho sejam descartados todos os anos em Portugal Unsplash

Papel de embrulho, embalagens de brinquedos e do bolo-rei ou restos de comida da ceia. O facto de serem lembranças de mais um Natal não é suficiente para evitar o inevitável: o contentor do lixo ou os ecopontos. Todos os anos, a quadra festiva em Portugal traz consigo um aumento de 24% na produção de resíduos em relação aos restantes meses.

Segundo estimativas da Quercus, 54 toneladas de luzes são descartadas e 1,2 mil toneladas de pinheiros de Natal vão para o lixo. Os rolos de papel de embrulho, dos quais 12 milhões são descartados, correspondem ao abate anual de três milhões de árvores. E, após se encherem as mesas de Portugal, desperdiça-se o equivalente a seis milhões de pratos de comida.

Os números apurados pela Quercus são de 2020, mas “os padrões não mudaram radicalmente”, diz Carlos Moura, coordenador técnico da direcção nacional da associação. O papel é o único cujos valores podem ter visto mudanças – para pior. Com a substituição de vários utensílios de plástico não reutilizáveis, como copos e palhinhas, por alternativas feitas em papel, Carlos Moura não se admira se os resíduos deste tipo tiverem adquirido, nos últimos anos, uma dimensão muito maior.

Das Conferências do Clima das Nações Unidas aos protestos climáticos, 2022 foi um ano em que o ambiente esteve nas bocas do mundo. A consciência é maior, mas, na opinião do membro da Quercus, é fácil “as pessoas esquecerem-se um bocadinho daquilo que andaram a aprender durante o resto do ano ao nível ambiental” e, numa época de festejos e excessos, não evitarem os resíduos.

Há mais separação de resíduos na época natalícia

Não se evita os resíduos, mas, cada vez mais, há quem os recicle. No Grande Porto, volta-se a uma das primeiras lições sobre preservação ambiental dadas na escola: plástico e alumínio no ecoponto amarelo, papel no azul e vidro no verde. Tanto a Câmara Municipal do Porto como a Lipor, que faz a gestão de resíduos em oito municípios, relatam que, ao longo dos anos, a adesão à reciclagem na época festiva tem vindo a aumentar.

Os dados fornecidos pela Lipor ao PÚBLICO mostram que, das cerca de 43 toneladas de lixo recebido em Dezembro de 2021, 32 toneladas pertenciam ao fluxo de indiferenciados. Os resíduos previamente separados são uma minoria, mas a empresa reporta ainda que, entre 2019 e 2021, verificou uma diminuição em 6,84% da quantidade de lixo indiferenciado que chega aos locais de gestão no mês de Dezembro.

Por outro lado, os fluxos de embalagens, vidro, papel e cartão tornaram-se mais expressivos. Apesar de a quantidade total de resíduos não ter tido aumentos significativos em Dezembro do ano passado, este foi o mês que em que a Lipor recolheu mais resíduos alimentares, embalagens, papel e cartão previamente separados.

A passo lento, estão também os habitantes do concelho do Porto a oferecer presentes à natureza. Em 2021, a Porto Ambiente verificou, em relação ao ano anterior, um aumento de 26,7% na recepção de resíduos separados entre os dias 21 de Dezembro e 4 de Janeiro.

Em Lisboa e na Região Oeste, a empresa de gestão de resíduos Valorsul regista também um aumento do fluxo de recolha selectiva em Dezembro do ano passado, ressalvando que este é pouco expressivo mais 4,8% do que em Novembro. Contudo, a empresa recebeu 8,3% mais lixo e registou um aumento de 11% nos resíduos indiferenciados nesse mês, face ao anterior.

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Natal no Porto Paulo Pimenta

Como ter um Natal mais sustentável?

Apesar de a consciência em relação à reciclagem se expressar na quadra natalícia, a separação dos resíduos não anula a grande quantidade. Carlos Moura alerta para o facto de este lixo, que chega às empresas, poder exercer uma maior pressão sobre um sistema que, muitas das vezes, não tem trabalhadores e meios mecânicos para gerir um aumento repentino. “Não é fácil para as empresas conseguirem, de um momento para o outro, absorver todo este incremento dos resíduos produzidos”, explica.

Assim, antes de reciclar, o primeiro passo é evitar a produção dos resíduos. Restos de comida, papel ou embalagens podem ser escolhidos e utilizados de forma que a época das festas seja mais sustentável, sem comprometer a tradição. Nas palavras de Carlos Moura, o segredo está na “moderação” e na “consciência”, o que pode passar por mudanças simples. Quais?

1. Ser selectivo nas embalagens

Após a correria das compras de Natal, começa a correria do lixo. Embalagens compõem, para Susana Fonseca, vice-presidente da associação Zero, o problema mais visível no que toca aos resíduos no Natal. “Há coisas que vêm demasiado embaladas e depois há, normalmente, uma correria, na melhor das hipóteses, aos ecopontos. Na pior, vai para o lixo indiferenciado”, comenta.

Assim, a activista recomenda a “ter algum cuidado quando se vai às compras e evitar produtos muito embalados”. Esta atenção deve ser reforçada nas embalagens compostas, feitas com uma mistura de materiais (por exemplo, papel e plástico), que “dificilmente são recicláveis”.

Susana Fonseca frisa, contudo, que “estamos dependentes do que é colocado no mercado”, pelo que, se for necessário adquirir uma embalagem, é importante separar os seus componentes e depositá-los nos respectivos ecopontos.

2. Fazer embrulhos mais criativos

Se poupar nas embalagens pode ser difícil, diminuir o impacto dos embrulhos é, pelo contrário, muito simples. Carlos Moura realça que a reutilização de papel e sacos de prendas “é uma questão extremamente importante, ainda mais importante do que a reciclagem”. É um hábito das gerações mais velhas, diz, “mas, actualmente, ainda há um longo caminho a percorrer” na interiorização desta ideia.

O papel de embrulho tradicional está contaminado com tintas e ceras que lhe dão a textura característica, pelo que nem todos eles são recicláveis (Susana Fonseca dá o exemplo dos metálicos, “que nem são papel”). O ideal, explica Susana Fonseca, seria embrulhar presentes com coisas que temos em casa, como jornais ou revistas.

Outra alternativa é a técnica japonesa Furoshiki, que consiste no uso de um lenço para embrulhar os objectos – aqui, o próprio lenço faz parte da prenda. Além disso, caixas de cereais ou de sapatos e pacotes de batatas fritas (colocando o lado metálico à vista) são opções mais sustentáveis. No caso dos presentes mais pequenos, como joalharia, rolos de papel higiénico podem compor uma caixa. Para quem tem crianças, embrulhar e decorar os presentes de toda a família de forma criativa e sustentável pode ser uma actividade natalícia a considerar.

A vice-presidente da Zero sugere ainda que se tenha algum cuidado a abrir as prendas, de forma a possibilitar a reutilização de sacos e papéis no ano seguinte, reduzindo “o impacto ambiental da sua produção”.

Se já comprou papel de embrulho, pode ainda verificar se este é reciclável ao amassá-lo. Um papel que regresse à sua posição normal sem qualquer marca não é reciclável. Já o papel de embrulho que que fica com marcas após ser amolgado pode ser, à partida, depositado no ecoponto azul.

3. Repensar (e reutilizar) as decorações

Para as decorações de Natal, o lema é este: menos é mais. Quem o diz é Ana Milhazes, influencer sustentável e fundadora do movimento Lixo Zero Portugal, num ebook gratuito com dicas para um Natal com menos desperdício.

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Pode reutilizar decorações e usar o que tem por casa LUM3N/PEXELS

Quanto à decoração, a criadora do blogue Ana Go Slowly recomenda usar o que não precisa de ser comprado. Ramos e folhas do jardim, bem como fitas, papel e cartão que estejam perdidos numa gaveta podem dar origem a ornamentos originais.

Já o pinheiro de Natal não precisa de ser um pinheiro. Uma planta viva ou uma árvore do jardim podem ser decoradas da mesma forma. Para quem prefere seguir a tradição, o dilema entre um pinheiro verdadeiro ou de plástico é comum, mas ambas as opções podem ser consideradas.

“A questão não é uma coisa em contraposição à outra. Trata-se de usar as decorações com algum cuidado e tendo em conta a sua origem e a sua composição”, relembra o coordenador da direcção nacional da Quercus.

Assim, pinheiros naturais devem, idealmente, ser replantados. Uma outra hipótese é alugar uma árvore ao projecto Pinheiro Bombeiro, que dá uma segunda vida às árvores que têm de ser cortadas para limpar as matas. Por outro lado, os pinheiros de plástico devem ser usados durante muitos anos, de forma a diminuir o impacto da sua produção.

Para as luzes de Natal, devem ser privilegiadas as alternativas LED e, se forem a pilhas, é possível optar pelas recarregáveis. E, em tempos de crise energética, pode optar por ter as luzes ligadas apenas em certos períodos do dia.

“Estamos no meio de uma crise energética. É óbvio que não vamos dizer às pessoas 'não façam as vossas decorações de Natal'. O que vamos dizer é que, por exemplo, nas iluminações, procurem moderar o tempo que estas estão ligadas”, recomenda.

4. Planear a ceia e reaproveitar as sobras

Mais comida na mesa é, muitas vezes, mais comida no lixo. Para Susana Fonseca, o problema do desperdício alimentar está de mãos dadas com o dos embrulhos. “Cada alimento que deitamos fora não é só um desperdício financeiro. É um desperdício alimentar também. Há muita luz, muito solo, muita água, muita energia investida na produção e tudo isso é perdido quando nós deitamos fora”, afirma.

Neste sentido, a vice-presidente da Zero recomenda planeamento. Juntar a família e decidir previamente quem traz o quê permite “alguma redução do excesso”. E, quando sobra, é possível congelar a maior parte dos doces e reaproveitar os restos de comida. “Nem é preciso ter talento para a culinária. Há tantas sugestões na Internet que não há necessidade de estar a desperdiçar esta comida”, continua. E o reaproveitamento faz parte da tradição, sendo que o farrapo velho é um prato comum nesta altura.

Susana Fonseca sugere ainda levar os doces para o emprego e partilhar com os colegas. Compostagem – em casa ou através de projectos municipais – é também uma recomendação.

5. Consultar os horários de recolha de lixo no seu município

A verdade é que “não conseguimos evitar o excesso” na época festiva, diz Susana Fonseca. Assim, para os resíduos que foram efectivamente produzidos, é recomendado fazer a sua separação e deposição nos respectivos ecopontos (não esquecendo de espalmar as embalagens e garrafas, para poupar espaço). No Natal, há municípios e empresas que condicionam a recolha de lixo nas ruas, fazendo-a em horário reduzido, pelo que o ideal é consultar o que está estipulado para a sua área de residência, de forma a evitar a acumulação de lixo no espaço público.

Por exemplo, a Câmara de Lisboa anunciou nesta quarta-feira que a recolha vai estar condicionada nos dias 24 e 25 de Dezembro. Em Vila Verde, Valongo, Coimbra, Santarém, Santa Maria da Feira, Famalicão e na ilha da Madeira, já foi também anunciada uma alteração de horários. Regra geral, é preferível guardar os resíduos em casa até à noite de 26 de Dezembro.

Por outro lado, a Câmara Municipal do Porto esclareceu que já está a reforçar a recolha de resíduos da época natalícia desde segunda-feira. Já em Estarreja, o dia 26 vai ser marcado por uma recolha de papel e cartão porta a porta que, além de ser reciclado, irá ajudar as crianças do Hospital Pediátrico de Coimbra. Para participar, basta ensacar o papel e o cartão e deixá-los à porta antes das 9h da manhã.

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