Nesta semana entrou mil vezes mais água no Alqueva do que no resto do ano

Os volumes de água que entraram nas últimas horas no Alqueva teriam dado origem, noutros tempos, a graves enxurradas em cidades como Mértola, por exemplo.

Foto
A grande barragem de Alqueva permite evitar grandes inundações a jusante Nuno Ferreira Santos

Às 23 horas desta terça-feira, estavam a entrar no Alqueva 7734 metros cúbicos de água por segundo (m3/s) quando, de Abril a final de Novembro, nunca foi além dos 8 m3/s. Com este inusitado volume de água, em apenas 24 horas a cota da albufeira subiu 2,20 metros e situa-se agora nos 71,5% da sua capacidade de enchimento. Mas se o cenário do lado português começa a estar favorável em termos de armazenamento, Espanha continua à míngua.

Os dados recolhidos pelo PÚBLICO na tarde desta quarta-feira no site da Confederação Hidrográfica do Guadiana (CHG), entidade que gere a bacia do rio em território espanhol, salientam que o volume de água entrado em Alqueva entre o dia 1 de Dezembro e as 15h desta quarta-feira, atingiu os 379 milhões de m3 e, deste total, quase 200 milhões foram debitados em apenas 24 horas. E na tarde desta quarta-feira, foram lançados a partir do açude de Badajoz para o troço do Guadiana em território português 1.632 m3/s.

Como termo de comparação, refira-se que, do início de Janeiro até final de Março, o maior volume de água registada foi de 19 m3/s, sendo que, em plena seca, entre Abril e final de Novembro variou entre 0 m3/s e 8 m3/s. O caudal mínimo, segundo a Convenção de Albufeira, é 2 m3/s. Agora entraram 8 mil.

A invulgar enxurrada de água dos últimos dias, que causou estragos e lançou o pânico em vários concelhos do distrito de Portalegre, trouxe à memória dos alentejanos o drama vivido pelas populações dos concelhos de Ourique, Aljustrel e Castro Verde nas cheias de 1997, em que se registaram oito vítimas mortais.

Naquele ano, as obras de Alqueva encontravam-se na sua fase inicial. A força das águas no rio Guadiana arrastou na torrente furiosa máquinas e equipamentos que estavam a ser usados na construção do empreendimento. A vila de Mértola também sofreu as consequências da violenta enxurrada. E se Alqueva não existisse, o que teria agora acontecido à vila museu? O grau de destruição que as águas do Guadiana e alguns dos seus afluentes causaram em várias localidades da região espanhola da Extremadura nos últimos dias teria certamente consequências em território nacional, sobretudo em Mértola.

Hoje, a grande barragem permite regular caudais e evitar o tipo de catástrofe em que a história do rio Guadiana é pródiga. Os violentos caudais que tudo arrastavam na sua passagem ficam agora retidos em Alqueva.

Perguntar-se-á: e os espanhóis, que continuam a ter boa parte das suas albufeiras na bacia do Guadiana praticamente vazias, não retêm a água? Não podem. A consulta do site da CHG dá a resposta. A maior parte das suas albufeiras está instalada na rede de afluentes do rio Guadiana. Acresce ainda que as maiores barragens espanholas não beneficiaram, até ao momento, da forte precipitação atmosférica que se abateu sobre algumas regiões da bacia hidrográfica. São exemplos a barragem de La Serena, “o Alqueva espanhol”, que tem capacidade para receber 3219 hm3 e tinha às 15h desta quarta-feira apenas 473 hm3. Ou Cijara, que pode armazenar 1.505 hm3, mas apresenta apenas 376 hm3. O mesmo cenário observa-se nas barragens de Garcia de Sola, Alange e Sierra Brava. O seu volume de água continua no vermelho.

Em Portugal, segundos os dados publicados pelo Serviço Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH) sobre as 79 barragens públicas, o volume de água armazenado era, no dia 12 de Dezembro, de 65%. Com as escorrências provocadas pela forte precipitação que continua a verificar-se, certamente que o volume total de água armazenada venha a registar uma acentuada subida.

Em Portugal as perspectivas são promissoras, ao contrário do que acontece em Espanha, que tinha acumulado, na terça-feira, nas centenas de albufeiras das suas 16 bacias hidrográficas, uma reserva hídrica de apenas 37,5%.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários