Portugal é o pior país da Europa a tratar resíduos de aparelhos electrónicos

Apenas 32% dos Resíduos de Equipamentos Elétricos e Eletrónicos tinham sido reciclados em 2020, diz relatório do Eurostat.

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ZERO quer reunir com o Ministério do Ambiente para discutir a gestão de REEE Tiago Lopes

Portugal é o pior país da União Europeia (UE) no tratamento de Resíduos de Equipamentos Eléctricos e Electrónicos (REEE), ficando, aliás, abaixo da média europeia. O alerta foi dado pela associação ambientalista ZERO, que cita dados do Eurostat publicados há um mês para mostrar que os seus “receios” foram “confirmados”.

Segundo o Eurostat, em 2020, Portugal havia atingido uma taxa de reciclagem de 32% dos REEE [equipamentos ou componentes electrónicos que sejam descartáveis, tal como definido pela Agência Portuguesa do Ambiente], abaixo de 24 países analisados, quando a média se fixava nos 45%.

O relatório destaca ainda a Bulgária (que recicla mais de 90% dos REEE), a Croácia e a Finlândia como os países da UE que mais reciclam este tipo de resíduos.

Pedro Nazareth não reconhece os dados do Eurostat como sendo totalmente factuais, visto que, "estatisticamente falando, não é possível comparar dois países" com rigor e é pouco provável que Portugal esteja em último lugar. "Portugal devia ter orgulho do seu sistema de reciclagem de resíduos eléctricos em comparação com o da Bulgária", afirma o director-geral do Electrão, reconhecendo, contudo, que existe um problema na gestão de REEE em Portugal.

Para a ZERO, a situação era “previsível, face à total incapacidade e falta de vontade política dos diversos responsáveis pelo Ministério do Ambiente”, diz a organização em comunicado, destacando ainda um “contributo negativo” de João Pedro Matos Fernandes, ex-Ministro do Ambiente. A associação ambientalista refere que, “apesar dos inúmeros alertas feitos pela ZERO e por outras organizações, [João Pedro Matos Fernandes] nunca tomou qualquer tipo de iniciativa para melhorar o desempenho do país nesta área”.

Já não é a primeira vez que a ZERO, que chegou a apresentar queixas do incumprimento de Portugal à Comissão Europeia, tenta chamar à atenção para este problema.

Propostas da ZERO nunca foram ouvidas

A associação diz já ter alertado o Ministério do Ambiente para vários problemas na gestão dos REEE, entre os quais o subfinanciamento: apesar de existir legislação que dita que as empresas que colocam equipamentos eléctricos no mercado devem financiar os custos da sua recolha e tratamento, os valores que têm sido pagos “cobrem apenas cerca de 25% dos custos necessários” para se atingirem as metas de recolha de resíduos.

A ZERO nota ainda que este incumprimento de metas leva a penalizações demasiado baixas às entidades gestoras dos REEE – a Taxa de Gestão de Resíduos “tem valores tão irrisórios que fazem com que valha a pena não cumprir a lei”, dado a penalização por incumprimento ser mais barata.

Uma outra explicação para Portugal ser apontado como o pior país da UE na gestão destes resíduos está na reciclagem de frigoríficos, cuja taxa de recolha é “inferior a 30%”. Se, por um lado, os comerciantes não cumprem “a sua obrigação legal de recolherem o frigorífico velho quando entregam um novo”, por outro, quando efectivamente os recolhem, fazem a sua venda a “sucateiros ilegais”. Estes aproveitam componentes valiosos como o motor e as chapas metálicas, mas não fazem a devida reciclagem do que resta do frigorífico, que acaba “num bosque qualquer, com a inerente libertação dos gases de estufa para a atmosfera”.

Para resolver o problema, a ZERO propôs a fiscalização do sector do comércio no que diz respeito à recolha dos equipamentos e a fiscalização “às grandes empresas, os fragmentadores, que trituram os metais provenientes dos sucateiros” para identificar quem é que recebe frigoríficos e envia as suas chapas metálicas para os fragmentadores. Contudo, a organização denuncia que o Ministério do Ambiente recusa “sistematicamente” aplicar estas propostas, sem um motivo aparente.

Por fim, a ZERO alerta para a urgência da criação de um sistema de depósito ou retorno para os REE, que “premeie financeiramente os cidadãos” que nele participam e que penalize quem não separa os REEE, através de um depósito pago no ato de compra do aparelho, que seria devolvido aquando da sua devida separação.

Tendo em conta as propostas, a associação ZERO revela em comunicado que, devido à falta de avanços significativos desde os números de 2020, enviou uma carta ao Ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, a pedir uma reunião com o objectivo de sensibilizar o Ministério para reverter “o actual caos que se vive na gestão dos REEE em Portugal”.

Um problema que "não se resolve com taxas e multas"

Pedro Nazareth, CEO do Electrão, considera que a entidade de recolha de resíduos está "alinhada com a ZERO nas suas ambições", mas discorda com algumas das propostas da associação.

Segundo o director-geral da entidade, o problema da gestão de REEE em Portugal é um pau de dois bicos: "os mercados paralelos e o balde do lixo". Além da necessidade de mais campanhas de consciencialização entre os cidadãos que "não estão, muitas vezes, sensibilizados para a separação de resíduos e colocam no lixo comum", é necessário actuar "por dentro sobre os mercados paralelos".

O desvio de aparelhos, que tanto a ZERO como o Electrão reconhecem como um dos maiores problemas, não se resolve, para Pedro Nazareth, com "taxas e multas a entidades que estão a fazer o seu trabalho, nem a cobrar dinheiro aos consumidores". O representante do Electrão denuncia o facto de este tipo de crime ocorrer "por dentro", à vista de organizações como câmaras municipais, comerciantes e empresas de reparação, onde os próprios funcionários "podem desviar equipamentos para ganhar algum". Neste sentido, Pedro Nazareth propõe, de forma semelhante à ZERO, uma fiscalização reforçada por parte das autoridades ambientais, "que devem ser modernizadas".

"É preciso acções legais que usem casos concretos para mostrar que este tipo de crime pode ser sancionado", nota.

O próprio Electrão iniciou, em 2020, um projecto que procurava esses "casos concretos" ao instalar 104 GPS nos aparelhos enviados para processamento e concluiu que 75% dos equipamentos usados são enviados para o mercado paralelo. Mas, até aos dias de hoje, os resultados não levaram a qualquer tipo de acção.

“O Electrão apresentou casos concretos a acontecer, com os GPS a mostrar que os equipamentos não estavam nos locais correctos e, até hoje, não tivemos nenhuma notícia. Nada foi feito. É essa a minha grande tristeza”, conclui Pedro Nazareth.

Texto editado por Andrea Cunha Freitas

Notícia actualizada com declarações de Pedro Nazareth, director-geral do Electrão.​