Que espécies de animais e plantas podem voltar a Portugal?

É uma escolha: coexistir ou tentar domar, reconciliar a nossa relação com o mundo natural ou manter uma guerra aberta, viver em harmonia ou viver em constante conflito.

O maior desafio para o restauro da natureza é a nossa capacidade de imaginar um novo estado selvagem, tal é a escala de destruição, simplificação e degradação do mundo natural.

Primeiro, é preciso conhecer o passado: a Península Ibérica é rica em vida selvagem, mas já foi riquíssima, tanto em diversidade como em abundância. Registos fósseis, crónicas romanas, contos árabes e histórias medievais descrevem uma Ibéria difícil de compreender com os olhos de hoje. Segundo, olhar para zonas com características parecidas com as existentes em Portugal, em melhor estado de conservação e ser inspirado. Outras zonas na bacia do Mediterrâneo, na Europa (Espanha, Itália, Balcãs e Grécia), no Norte de África (Marrocos, Argélia e Tunísia) e no Médio Oriente. Terceiro e último, considerar os impactos das alterações climáticas na paisagem.

Em Portugal há várias espécies que podem regressar ou chegar, ou porque estão localmente extintas, ou porque a sua abundância é uma sombra do passado, ou porque a função está ausente, ou ainda por causa da rapidez das alterações climáticas:

Espécies extintas que podem voltar: o castor-europeu (para regular os ecossistemas ribeirinhos e mitigar o impacto de secas e cheias), a tartaruga-terrestre (para completar as funções do coelho e da perdiz), a águia-rabalva (para regular o ecossistema de zonas húmidas), o quebra-ossos (para completar a brigada de limpeza de abutres), a tartaruga (marinha) comum (regular o ecossistema marinho e fertilizar as dunas com restos de ovos) ou até o esturjão (espécie bandeira de ecossistemas fluviais do mar alto aos rios, passando pelos estuários).

Espécies cuja área de distribuição é minúscula comparada com a do passado como: a cabra-montês (apenas presente na Peneda e Gerês, mas que pode voltar às zonas acidentadas desde as serras do Algarve às montanhas da zona centro, até Trás-os-Montes), o lobo-ibérico (que existia no início do século XX em todo o país, hoje apenas existe no Norte, pode expandir-se para novas áreas a sul), o veado-vermelho (apenas presente na serra da Lousã e partes da raia, que se pode expandir de norte a sul), o lince-ibérico (apenas presente no vale do Guadiana, no passado existia até Montesinho), a foca-monge (que apenas existe nas ilhas Desertas, podia existir dos Açores às praias da costa vicentina), o urso-pardo (com presença irregular que se pode estabelecer nas montanhas do Norte de Portugal), várias espécies de peixes como o sável, o salmão ou a enguia e no mar as florestas de laminárias (kelp) e a abundância de várias espécies de peixes, como o atum.

Espécies que estão extintas, mas que ainda existem em formato doméstico ou semi-selvagem como: o cavalo selvagem, o auroque ou o burro selvagem. As funções desempenhadas no passado por estes grandes herbívoros foram substituídas por animais domésticos, pela mão do ser humano; hoje podemos restaurar estas funções perdidas, com raças rústicas ou animais assilvestrados.

Espécies que complementam funções ausentes ou debilitadas como: o gamo ou o muflão, apesar de serem espécies cinegéticas, usadas para caça, são mais duas espécies a pastorear a paisagem (o que mitiga e previne incêndios florestais) e são mais duas espécies a dar vida ao ecossistema (espalhar sementes, moldar habitats, presas para o lobo e comida para abutres). É preciso reconsiderar o conceito de espécies nativas para ser um mais flexível e considerar as funções ausentes ou enfraquecidas no ecossistema.

Espécies que devido às alterações climáticas podem ver a sua área de distribuição mudar; animais que talvez já não tenham clima hoje ou que não terão num futuro próximo, como o galo-montês ou a lagartixa-da-montanha, ou que já têm condições climáticas hoje e que poderão ter ainda num futuro próximo como a tamareira, o macaco-bérbere, a gazela-do-atlas, a tartaruga (marinha) verde, que é preciso considerar. As aves, livres das barreiras impostas pelo ser humano já estão a adaptar a sua distribuição e hábitos como consequência das alterações climáticas – por exemplo, as cegonhas já não migram para África, ficam pelo Sul da Europa. E novas espécies estão a chegar, como o grifo-pedrês (também conhecido por “abutre-de-Rüppell”) ou o andorinhão-mouro.

Existem muitas zonas de norte a sul, que, devido ao abandono agrícola de terras marginais, estão a ficar livres, sem uso e que são bons espaços para devolver à natureza. É uma escolha: coexistir ou tentar domar, reconciliar a nossa relação com o mundo natural ou manter uma guerra aberta, viver em harmonia ou viver em constante conflito.

São precisas novas soluções, narrativas frescas, histórias de esperança e possibilidade. As decisões que foram tomadas nos próximos anos e décadas vão ecoar nos próximos séculos e milénios. Precisamos de um Portugal e de um planeta mais selvagens, para benefício de clima, pessoas e natureza.

Escrito para a COP15, Cimeira da Biodiversidade das Nações Unidas

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