Após os incêndios florestais, segue-se uma simplificação dos ecossistemas

Uma das maiores ameaças à biodiversidade em Portugal neste momento são os fogos florestais, que se repetem anualmente, dizem os cientistas com quem o PÚBLICO falou.

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Incêndio deste Verão na serra da Estrela Adriano Miranda
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Incêndio deste Verão na serra da Estrela Adriano Miranda
Lisboa
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Teresa Pacheco Miranda

Quais são, actualmente, as maiores ameaças à biodiversidade em Portugal? “Para lhe dar uma hierarquia, diria que são os incêndios florestais. Mais ainda do que a agricultura, porque não estamos a ter capacidade para regenerar após os incêndios, e isso está a levar a uma simplificação muito acelerada dos nossos ecossistemas”, disse Helena Freitas, professora na Universidade de Coimbra e especialista em biodiversidade e desenvolvimento sustentável.

“Na maior parte dos contextos, o que temos a seguir [aos incêndios florestais] é uma invasão de espécies exóticas, e a instalação de espécies menos exigentes. Estamos a perder a produtividade dos solos”, explica. “Deixámos de cuidar da floresta. Desligámo-nos de uma floresta que era, em muitos casos, um mosaico agro-florestal. Isso tem desaparecido e acentuou-se com os fogos florestais.”

“Com os incêndios perde-se brutalmente a biodiversidade, baixa na vertical”, concorda Jorge Paiva, botânico e ecólogo da Universidade de Coimbra. “Temos tido incêndios todos os anos e a espécie humana aqui em Portugal não soube fazer floresta. Floresta é um ecossistema que tem várias espécies de árvores. Um pinhal só tem uma espécie de árvore, não é uma floresta. Um eucaliptal não é uma floresta”, salienta.

“Ainda por cima, como o pinheiro tem resina, que é inflamável, e como os eucaliptos têm produtos aromáticos inflamáveis, esta floresta, esta silva, em latim, é uma floresta de fogo, é uma ignissilva. São pinhais e eucaliptais consecutivos, não há intervalo entre eles. De maneira que, quando aparece um incêndio, vai por ali fora. Todos os anos temos aquilo a que chamo piroverões [pyra é chama em grego]”, diz Jorge Paiva.

Maria Amélia Martins-Loução, investigadora no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Globais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, identifica o turismo como a principal ameaça à biodiversidade em Portugal. “À custa de dizermos que o país vive do turismo, fazemos tudo e mais alguma coisa para providenciar casas e condomínios de luxo, ou mesmo sem ser de luxo, para atrair mais os estrangeiros. Eu acho que isso é errado, são políticas que não salvaguardam as paisagens que ainda temos, que são únicas”, sublinha.

“A agricultura intensiva e a perda da agricultura tradicional” são outras ameaças à biodiversidade, identificadas por Helena Freitas. Estas ameaças também são mencionadas por Maria Amélia Martins-Loução, presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia. “Estamos com maior aridez, não podemos pensar em fazer agricultura essencialmente regada”, afirma Maria Amélia Martins-Loução.

“O país vivia de culturas devidamente adaptadas à seca e é uma pena que se tenham perdido, podiam ser um valor para os agricultores, se o Estado interviesse beneficiando os proprietários que mantivessem essas culturas. Pelo contrário, quem beneficia são os que têm culturas de regadio”, completa.

Um exemplo da perda de biodiversidade que está a acontecer fomentada pela agricultura intensiva vê-se na cultura das oliveiras. “Transformar os olivais em soldadinhos de chumbo, para mim, é a coisa mais degradante que possa existir”, afirma a especialista.

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Reserva Natural da Serra da Malcata, no Sabugal Paulo Pimenta

“Deixei de visitar a zona que vai de Sevilha a Granada porque detestava ver as oliveiras sempre iguais. Tal como vemos em Portugal o eucalipto, lá eram as oliveiras. Mas aqui estamos a fazer exactamente a mesma coisa. Há determinadas zonas onde o olival é completamente contínuo, todo igualzinho”, destaca Maria Amélia Martins-Loução.

“Vivo numa zona em que, nem sei como, está um olival antiquíssimo carcomido, mas que vai dando alguma coisa, e cada árvore é uma árvore. E é espectacular ver como é que no mesmo clima, na mesma zona, cada uma reage. Isto é que é a tal diversidade, a capacidade de resiliência que estamos a alterar somente porque sim, em nosso benefício”, exemplifica.