Cinco equipas “sociais” tentam alojar imigrantes resgatados no Alentejo

Organizações no terreno como a Cáritas e Solidariedade Imigrante denunciam estas situações “há anos”. Caso inclui “dezenas” de vítimas nepalesas, moldavas, timorenses, romenas e ucranianas.

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Equipas estão no terreno a apoiar as alegadas vítimas da rede desmantelada LUSA/NUNO VEIGA

Os imigrantes alegadamente vítimas de exploração laboral e tráfico de seres humanos resgatados no Alentejo estão a ser apoiados por cinco equipas multi-sectoriais, compostas por elementos de áreas diferentes: além da Polícia Judiciária, a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), Instituto de Segurança Social, Alto Comissariado para as Migrações e equipa especialista em tráfico de seres humanos, geridas pela Associação de Planeamento Familiar (APF), diz ao PÚBLICO Manuel Albano, o Relator Nacional para o Tráfico de Seres Humanos, responsável também pela APF.

O relator sublinha que “houve uma cooperação com todas as organizações de apoio social para garantir um conjunto de direitos a estas pessoas”. Sem especificar quantas alegadas vítimas se identificaram, por não ter ainda esse dado, refere que as entidades estão a “procurar as melhores soluções, nomeadamente a nível de apoio no alojamento, deslocação, comunicação e suporte”. Mas Manuel Albano não especificou detalhes sobre os locais para onde vão ser encaminhadas as vítimas porque tal poderia colocar em causa da investigação que decorre. O PÚBLICO soube junto de fonte ligada à investigação que os cidadãos resgatados não vão todos para o mesmo sítio.​

Entre outras tarefas, essas equipas têm como papel estabilizar as pessoas do ponto de vista emocional. “São sempre momentos de tensão, em que as pessoas ficam perdidas e é importante a existência destas equipas porque garantem o apoio psicoemocional, até para que elas possam estabelecer cooperação com as próprias autoridades”, acrescenta.

Sobre em que condições estavam os imigrantes, Manuel Albano refere que não sabe “pormenores": “Sabemos que há pessoas que foram encontradas em situações de alojamento altamente precário”, diz. “Do que me apercebi estamos a falar de casas que não reuniam condições de salubridade e ultrapassavam a capacidade para acolher.”

Já sobre o tipo de exploração laboral a que estavam sujeitas, Manuel Albano não tem esse dado. “Num cenário hipotético e conhecendo nós estas redes”, refere, “certamente que há pessoas a quem os documentos foram sonegados, que podem ter contratos que não são de trabalho, que trabalhavam muito mais horas do que é legal”, refere. “A PJ e o Ministério Público não avançariam com uma operação desta envergadura se não tivessem indícios de investigação prévia de que estes crimes configurariam tráfico de seres humanos, exploração laboral ou auxílio a imigração ilegal para que esta operação avançasse no terreno.”

Segundo o PÚBLICO apurou junto de fonte ligada ao processo, a investigação foi iniciada em Janeiro e inclui “dezenas” de vítimas nepalesas, moldavas, timorenses, romenas e ucranianas.

Organizações denunciam “há anos”

Esta não foi a primeira operação desta envergadura na qual participaram as equipas multidisciplinares, refere Manuel Albano, lembrando uma operação em 2018 com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no Alentejo em que foram encontradas cerca de 200 pessoas e, dessas, cerca de 30 identificadas como vítimas de tráfico.

No terreno, as organizações como Solidariedade Imigrante, em Beja, lembram que esta situação “não é novidade”: “Andamos a denunciar isto há anos, toda a gente no terreno sabe destas situações”, diz Alberto Matos. Isaurindo Oliveira, presidente da Cáritas de Beja, lembra o mesmo. “Dá-me ideia de que as pessoas andam distraídas. São problemas que existem todos os dias” e que são denunciados às autoridades, afirma.

A Cáritas já atendeu mais de mil pessoas este ano e por vezes não sabe especificar em quantos casos detectam “problemas associados” como “pessoas que são aldrabadas, com contratos que falham, e sujeitas a mecanismos para sacar dinheiro por tudo e mais alguma coisa”, diz. “Há um problema muito grande com a habitação muitas pessoas vivem em situações miseráveis. Vamos entrar num período crítico, entre Janeiro e Abril, em que os contratos são interrompidos e as pessoas são confrontadas com dificuldades.” Muitas ficam sem-abrigo, como a Cáritas já registou.

Sublinhando a importância de se tratarem os imigrantes “como pessoas” — “e a maioria não é” Isaurindo Oliveira diz ainda que os “nomes das pessoas” que ajudam as redes “são conhecidos”. “Estes problemas são complicados de resolver”, reconhece. “Vão aumentar: a agricultura vai continuar a crescer, a problemas de mão-de-obra também, não há habitação.” E conclui: “Está toda a gente a falar da exploração de mão-de-obra do Qatar, e aqui? Os timorenses foram falados, mas já ninguém se lembra deles.”

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