“Incúria e facilitismo” dos sucessivos governos levou a situação explosiva em Odemira, acusam autarcas

Deputados municipais de Odemira pedem ao Estado Português que encontre uma solução “urgente” para travar o desastre social que está a ser provocado pela “maior de todas as vagas migrantes na região”.

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LUSA/NUNO VEIGA

A política do “ora mando eu, ora mandas tu” dos ministérios do Ambiente e da Agricultura e as decisões da administração central e dos sucessivos governos, incluindo o actual, levaram ao “desordenamento, incúria e cultura do facilitismo” que agora se vive no território de Odemira. Estas são algumas das acusações feitas pela assembleia municipal local, que se reuniu em sessão extraordinária na tarde de sábado e aprovou por unanimidade uma tomada de posição “pelo desenvolvimento sustentável de Odemira”.

As consequências mais nefastas ocorreram ao longo da última década. O tecido social alterou-se “e, não obstante sabermos que o concelho vinha em alguma perda populacional e que sempre foi um concelho multicultural, Odemira não pode ser o único lugar do país a acolher um fluxo migratório de expressão tão significativa num curto espaço temporal” sem que os impactos sejam acautelados, refere a tomada de posição. Em apenas uma década, a população quase duplicou sem que fossem criadas as condições locais para responder “à maior de todas as vagas migrantes na região, com passaporte asiático”, salienta o documento.

O impacto do fluxo anormal de migrantes esgotou a oferta de alojamento, em muitos casos com sobrelotação e hiperlotação, degradou as respostas de serviços e de equipamentos públicos, e proporcionou o aparecimento de “actividades ilícitas graves, actualmente sob investigação”.

Aquilo que muitos já apelidam de “um desastre anunciado, é fruto de um ordenamento territorial deficitário”, só possível face a um Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina “permissivo” e desde sempre contestado pelos órgãos municipais.

O poder central “usurpou todas as competências” por diversos dos seus departamentos (ambiente e agricultura no epicentro), os quais sempre trabalharam de “costas voltadas” e sem articulação, “contando com o município de Odemira apenas quando dá jeito”, acusam os deputados municipais no documento que aprovaram.

Foi este o cenário de longos anos, “ora mandas tu, ora mando eu”, e conforme as “modas”, que foi vingando um “modelo de incongruências” centrado no contributo para o Produto Interno Bruto (PIB), “a qualquer custo”, num Parque Natural e em Rede Natura 2000, dizem. perguntam: “Poderá o Governo alhear-se desta realidade com origem bem conhecida, resultante de um modelo territorial e económico insustentável, impositivo e decidido em Lisboa desde sempre, em que os odemirenses pouco foram considerados, gerador de conflitos e facilitismos?”

Os eleitos locais, por “diversas vezes e de diferentes formas”, deram conhecimento da realidade que afecta o concelho, tendo proposto, a “todos os níveis e instâncias do poder e da investigação”, a tomada de medidas urgentes, que travassem o crescimento “desregulado” da agricultura no Perímetro de Rega do Mira.

A gestão de recursos, com a monitorização e preservação da biodiversidade local e outra das exigências da tomada de posição dos deputados municipais que chamam ainda a atenção para a necessidade de garantir que a água da Barragem de Santa Clara, face ao intenso acréscimo de utilizações e diminuição de afluências, tenha gestão adequada. Odemira teme que a falta de água se possa transformar num “cenário de desgraça local”. 

Consequência directa do que consideram ser o desordenamento do território é a evolução dos focos de covid-19 no concelho de Odemira e a recente aplicação de cerca sanitária às freguesias de S. Teotónio e Longueira-Almograve, que deu visibilidade à gravidade de problemas locais.

“Não podemos deixar estas pessoas à espera que apenas um desastre como o que agora experimentámos as tornem visíveis”, salienta o documento.

Para contrapor a um “desastre” que já se anuncia, a Assembleia Municipal de Odemira exige a revisão imediata da Resolução do Conselho de Ministros 179/19, que autoriza a utilização de contentores para alojar os trabalhadores migrantes. Em alternativa, defendem a criação de um Programa Específico de Habitação para o Território que liberte as freguesias do litoral do concelho da sobrecarga populacional que agora suportam.

Para combater as actividades ilícitas e o tráfico de seres humanos, aquele órgão autárquico recomenda que se apurem os responsáveis, desde os angariadores de mão-de-obra até aos proprietários, pelo incumprimento da legislação laboral e ambiental em vigor.

O fim imediato da cerca sanitária às freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve é outras das reivindicações formuladas pelos deputados municipais.

Em relação às reservas da albufeira de Santa Clara, propõem a elaboração, com carácter urgente, de um plano de gestão, eficiência e resiliência que previna um cenário de escassez de água como já foi admitido pela Associação de Beneficiários do Mira.

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